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Estabelecendo metas comportamentais

Um bom desempenho, geralmente, é construído pela operação de uma série de fatores: conhecimentos, habilidades, atitudes, recursos adequados, tecnologia, tempo disponível, processos bem desenhados e eficientes, cooperação e sinergia entre as diferentes áreas da empresa, dentre outros. Mas antes de qualquer um desses fatores, um bom desempenho depende diretamente de uma boa meta, de um objetivo claro e bem definido.

Já se tornou um clichê corporativo o célebre diálogo que o fictício Gato que Ri, da obra de Lewis Carroll, tem com a menina Alice, quando ela está perdida e sem saber em que caminho seguir: “Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui? – perguntou Alice. Isso depende muito de para onde queres ir — respondeu o gato. Preocupa-me pouco aonde ir — disse Alice. Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas — replicou o gato.”

Para quem não sabe o que quer, qualquer coisa serve. Para quem não sabe aonde ir, qualquer caminho serve. E isso vale para todas as áreas da sua vida, não apenas para o trabalho.

Na atual realidade corporativa, as metas e expectativas de desempenho são partes inerentes de quase todas as funções e departamentos. As equipes de vendas trabalham orientadas para atingirem os volumes ou a lucratividade almejada pela empresa; as equipes de produção perseguem números diários de entrega e qualidade; operadores de telemarketing precisam abordar um número certo de clientes por dia, por semana ou por mês para que possam atingir o resultado esperado; equipes de serviços trabalham com períodos de tempo especificamente determinados para atenderem às solicitações de seus clientes.

De forma geral, essas metas derivam da estratégia da empresa e da sua visão de curto, médio e longo prazo. São estabelecidas de forma precisa e específica para que se possa mensurar e acompanhar o seu desenvolvimento, conforme determina o padrão SMART, proposto por Peter Druker, como parte de seu método de Administração por Objetivos.

O termo Smart (que traduzido para o português significa esperto, inteligente) é um acrônimo com as iniciais das palavras Specific, Messurable, Achievable, Relevant, e Time-based. Isso significa que, para atingir o resultado almejado, uma meta precisa ser específica, mensurável, atingível, relevante e baseada em um contexto temporal.

“Voltar a estudar” parece ser uma meta presente da vida de muitas pessoas. Digo que parece ser porque, descrita dessa forma, ela ainda não é, trata apenas de um desejo. Para atingir o status de meta, deve atender ao padrão SMART:

S (específico) – tipo de curso (graduação, pós-graduação, extensão, aperfeiçoamento, curso livre, presencial, à distância), área (administração, finanças, RH, controladoria, logística, medicina), local (faculdade, universidade, escola técnica, escola de negócios).

M (mensurável) – valor do investimento mensal ou total, quantidade de horas para dedicação diária ou semanal, periodicidade e frequência das aulas.

A (atingível) – requisitos mínimos para a efetivação da matrícula, conhecimentos prévios, disponibilidade financeira e de tempo, acesso à tecnologia.

R (relevante) – benefícios e ganhos que serão obtidos com a realização do curso, melhorias efetivas, aumento da empregabilidade e da realização pessoal.

T (contexto temporal) – duração das aulas, carga horária total do curso, tempo de deslocamento para a presença nas aulas de acordo com o horário de trabalho.

O padrão SMART também é bastante utilizado no contexto corporativo e se aplica com facilidade, principalmente porque a maioria das metas e expectativas de desempenho se estabelece de forma numérica e exata: quantidade, valor, margem de lucro, horas de trabalho, visitas, faturamento, número de atendimentos etc.

O desafio que proponho aqui é levar esse mesmo conceito para o estabelecimento das metas comportamentais, que são tão importantes e necessárias quanto às metas numéricas. Muitos gestores acreditam que o desenvolvimento comportamental é algo subjetivo e complexo, por isso acabam tratando essa questão de forma muito solta e informal. Logo, a melhoria tarda a chegar e, às vezes, quando chega não consegue se sustentar.

Suponha que, juntamente com o desempenho técnico, você precise ajudar um membro de sua equipe a aprimorar o nível de inteligência emocional. Você já deve ter observado, na prática inclusive, que a aquisição dessa competência melhora sensivelmente a qualidade de qualquer resultado.

Vamos então aplicar o modelo SMART para a meta de inteligência emocional.

O primeiro requisito é que ela seja específica (S) e, para tanto, ela precisa ser desconstruída em comportamentos observáveis. Essa desconstrução se faz necessária, pois a ideia de inteligência emocional é muito abrangente e pode conter interpretações diferentes ou até mesmo divergentes.

Se você simplesmente pedir para que a pessoa melhore sua inteligência emocional sem alinhar com ela quais serão, os indicadores atestarão a presença ou a evolução dessa competência. É bastante provável que ela fique em dúvida acerca daquilo que você realmente deseja e em que aspectos específicos ela precisa trabalhar.

A melhor forma de se conseguir os indicadores observáveis de uma meta comportamental é partir da seguinte pergunta: o que FAZ uma pessoa com bom nível de inteligência emocional? Coloco uma ênfase na palavra faz, porque ela nos remete direta e objetivamente a uma lista de comportamentos visíveis, emitidos geralmente pelas pessoas que possuem essa competência.

Por exemplo, uma pessoa inteligente do ponto de vista emocional, geralmente observa as pessoas e como o ambiente se encontra para regular seu próprio comportamento; pensa e planeja previamente o que vai dizer; pensa antes de agir; controla seus impulsos; coloca-se no lugar dos outros indivíduos (empatia) e age com flexibilidade junto às outras pessoas.

Observe que se você desconstruir a inteligência emocional, chegando a essa pequena lista de indicadores observáveis, a pessoa terá mais facilidade para trazer esses comportamentos para o seu dia a dia. À medida que estes indicadores forem incorporados ao comportamento da pessoa, ela vai aprimorar seu nível de inteligência emocional.

Este é o requisito mais importante de uma meta comportamental, por isso ele merece toda a sua atenção. Quanto mais específica for a lista de indicadores da competência, maior assertividade será obtida no atendimento dos demais requisitos e, consequentemente, no atingimento do resultado.

Um detalhe importante: toda meta comportamental é traçada em parceria com a pessoa que está em desenvolvimento, portanto a participação dela na construção da lista de indicadores é fundamental. Sendo assim, seus níveis de compreensão e comprometimento também serão mais satisfatórios.

Vejamos agora o requisito mensurável (M). É óbvio que os indicadores da inteligência emocional não podem ser mensurados quantitativamente, através de números ou percentuais. Mas pelo simples fato de serem observáveis, são passíveis de uma mensuração qualitativa, ou seja, podem ser percebidos pelas outras pessoas de um modo geral.

Neste requisito, a pergunta que nos ajuda é: alguém de fora (colegas de trabalho, clientes internos e externos, fornecedores, líderes, amigos, familiares) consegue observar a melhoria?

Pense em uma pessoa que esteja fazendo dieta. Fazendo mesmo, ou seja, controlando sua alimentação no que diz respeito à qualidade e à quantidade dos alimentos que ingere. Por mais que as outras pessoas não tenham acesso ao indicador peso (que é quantitativo), elas conseguem sim perceber as mudanças físicas obtidas com a perda de peso, assim como os níveis de disposição e autoestima, que quase sempre melhoram quando se atinge o objetivo de emagrecer.

Com os indicadores da meta acontece a mesma coisa. É possível perceber quando uma pessoa passa a controlar melhor seus impulsos, quando passa a pensar um pouco mais antes de tomar decisões ou fazer colocações impróprias ou ainda, quando ela se dispõe a considerar a perspectiva do outro numa discussão mais acalorada. Considerando, é claro, que essas mudanças só acontecem com trabalho diário, foco e disciplina. Como acontece na dieta.

Para que uma meta comportamental seja alcançável (A), é preciso analisar cuidadosamente se os seus indicadores estão dentro das capacidades da pessoa. Traduzindo esta ideia, não se pode estabelecer uma meta quando não existe a mínima capacidade ou condição para atingi-la. Usando nosso exemplo, é improdutivo solicitar melhora na empatia a uma pessoa que ainda não trabalhe em equipe ou que esteja acostumada a atingir seus resultados de maneira individual. Oriente- -se pela seguinte questão: A pessoa é capaz de executar esse comportamento, dentro do seu atual contexto, se desejar?

Note que ao final da pergunta está explícito o interesse da pessoa em desenvolver o comportamento em questão. Esse detalhe é importante para que você possa diferenciar capacidade e interesse. Algumas vezes a mudança de comportamento não acontece por falta de capacidade, mas sim por falta de interesse ou disposição. Afinal, a mudança de comportamento é trabalhosa e, por vezes, sofrida. Nem todas as pessoas estão dispostas e interessadas em empreendê-la.

Voltemos à dieta. Muitas pessoas fracassam diante do objetivo de perder peso, não por serem incapazes de se alimentarem corretamente, mas por não terem interesse e disposição para enfrentarem as privações e os sacrifícios que todo sistema de redução alimentar prevê, pelo menos no seu início.

Falaremos agora da relevância (R) de uma meta comportamental. É fato que, para uma mudança de comportamento ser conquistada e mantida, ela precisa de alguma maneira estar alinhada aos valores e ao propósito da pessoa. Ninguém se esforça ou dá o melhor de si em prol de algo em que não acredita ou não valoriza. Lembre-se de que mudar às vezes causa sofrimento e se não houver uma justificativa maior do que o simples desejo de mudar, logo a motivação acaba e a pessoa desiste.

Para que a meta seja relevante, ela precisa refletir, pelo menos, um dos nossos valores principais. Pense um pouco nessa questão: por que é importante para uma pessoa melhorar seu nível de inteligência emocional?

Agora se coloque dentro da reflexão: o que você ganha melhorando o seu próprio nível de inteligência emocional? Tenho o hábito de fazer essa pergunta aos meus alunos e clientes e, com grande frequência, ouço respostas do tipo: se eu melhorar nessa competência, terei relacionamentos mais frutíferos; conseguirei cuidar melhor de mim e das pessoas que estão sob a minha responsabilidade; saberei lidar de forma mais assertiva com os problemas e com a pressão do meu trabalho; entenderei melhor a mim mesmo a aos outros; terei mais saúde e viverei melhor.

Repare em quantos valores estão implícitos nessas narrativas: relacionamento, liderança, autoconhecimento, perseverança, saúde, bem-estar. Isso significa que à medida que a inteligência emocional se desenvolve, a pessoa vai experimentar uma relação mais íntima com os seus próprios valores. Em minha opinião, não há justificativa maior para se caminhar na direção da mudança. E mesmo se houver sofrimento, a vigência dos valores nos fornece a energia necessária.

Friedrich Nietzsche nos presenteou com uma frase que diz “quem tem porque viver, suporta quase qualquer como.” Se você souber os verdadeiros motivos pelos quais deve mudar (valores), é bastante provável que encontre a disposição necessária para seguir em frente e atingir o seu objetivo.

Finalmente, uma meta de comportamento deve estar inserida dentro de um contexto temporal (T). As mudanças comportamentais geralmente levam mais tempo dos que as mudanças físicas, do ambiente ou dos procedimentos de trabalho. Mas isso não deve se transformar em uma prerrogativa para a falta de disciplina e acompanhamento.

Tente responder a seguinte questão: quanto tempo será necessário, com a prática real dos comportamentos observáveis, para o atingimento definitivo da meta? Lembre-se de que metas mais simples podem ser atingidas mais rapidamente, ao passo que metas mais complexas demandam mais tempo. Minha experiência como coach tem mostrado que um período de três meses é bastante adequado para o atingimento de uma meta de comportamento, desde que os envolvidos (líder e liderado, no caso) trabalhem sistematicamente com a construção, execução e acompanhamento de planos de ação.

Aproveite a ocasião do início de um novo ano e leve essas informações para a sua lista de resoluções de Ano Novo, afinal todo mundo faz uma. Especiais mesmo são as pessoas que conseguem cumpri-las.

Que competências comportamentais você gostaria de desenvolver ou de aprimorar este ano? E na sua equipe, quais são os comportamentos que, se melhorados, proporcionarão resultados mais qualificados e um maior índice de satisfação?

Espero que essa reflexão seja inspiradora e te ajude a estabelecer boas metas de comportamento tanto para você, como para a sua equipe. Feliz 2017!

Um grande abraço e até breve.



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