capa-01

Robotista: Mão de obra qualificada inexistente no Brasil

Depois de quase 20 mil horas de engenharia, 4 anos de projeto, entre a ideia e aperfeiçoamento, o Instituto Avançado de Robótica (IAR) está prestes a completar o seu primeiro ano como um projeto idealizado. Uma carreta adaptada com duas salas de aula que propõe levar capacitação profissional para empresas e universidades, em qualquer lugar do país, e formar robotistas – profissão ainda não reconhecida no Brasil. A Manufatura em Foco conversou com o idealizador do instituto, o engenheiro Rogério Vitalli, que questiona a grade curricular de um engenheiro mecatrônico nos cursos brasileiros e fala da escassez de profissionais capacitados em mecatrônica e robótica.

Carteiras, uma televisão, um braço robótico, um professor e alguns alunos. Tudo isso dentro de um trailer. O Instituto Avançado de Robótica (IRA) surgiu quando seu idealizador, Rogério Vitalli, ainda estava fazendo seu mestrado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). O início da carreira como instrutor de robótica fez com que descobrisse a paixão por dar aula. Isso, somado aos 14 anos de carreira com experiência internacional, foi suficiente para pôr em prática o sonho de fazer uma unidade móvel de ensino no Brasil. Foi chamado de maluco por isso e, hoje, se entusiasma ao falar do sucesso que lhe rende a empreitada, oficializada em agosto de 2014.

“Eu queria que um maluco tivesse feito uma coisa assim na minha época. Para mim, seria uma honra poder sentar em uma cadeira dessas e receber uma aula de alto nível. Não teve ninguém que fez, eu resolvi fazer como tantos brasileiros inteligentes que têm ‘n’ ideias, mas que têm um problema: não tiram do papel”, diz.

Ter começado a carreira como instrutor de robótica foi essencial para a idealização do projeto, embora a inspiração de Vitalli tenha surgido a partir da experiência adquirida durante trabalhos realizados fora do País: BMW, na Alemanha; Ford, na Argentina; e Jeta, no México. “Eu tive um sonho há muito tempo, nas minhas viagens pela Europa e pela Ásia […]”, comenta. O anseio de querer mais do que a capacitação que recebera no Brasil e, depois, a vontade de compartilhar o que aprendeu estimularam seu lado empreendedor.

“Não teve ninguém que fez, eu resolvi fazer como tantos brasileiros inteligentes que têm ‘n’ ideias, mas que têm um problema: não tiram do papel”.

“A ideia não é tão nova para alguns países, o que chamam de mobile truck, e eu percebi que não faziam isso em países desenvolvidos, porque nos países desenvolvidos já existiam as fábricas, então as empresas convidavam os alunos para fazerem treinamento na própria fábrica”, conta. Como no Brasil todas as unidades das empresas multinacionais de robótica (como Kuka, ABB e Fanuc) são filiais ou subsidiárias, não há fábricas em si. Sendo assim, a qualificação se resume a um nível básico, segundo Vitalli. “Então, por que não levar a qualificação até a empresa ou até a universidade, para o aluno, para o operador ou para o engenheiro?”, questiona.

“Aqui no Brasil sou taxado de maluco, de louco, de lunático e fora do Brasil sou inteligente, competente, visionário e capaz”.

unidade-móvel
Desafios
Os desafios começaram a partir da prática. Como colocar um robô dentro de uma carreta? De repente o empreendedor se depara com uma série de normas de segurança. “Daí ficou tudo mais difícil, pois estamos falando de robótica industrial. Na hora que você faz uma simulação em um robô industrial, nós fazemos todos os testes, inclusive de velocidade, a 10, 30 e até 100%. Você pode matar uma pessoa [se não cumprir as normas]”, ressalta o engenheiro. O robô colocado dentro do truck é exatamente igual a um robô industrial, mas em uma escala menor, garante. “Então, você programa um robô nosso dentro do IAR e é a mesma coisa que você programar um robô no chão de fábrica.

Só muda, exatamente, o tamanho, que é em uma escala menor para poder caber no caminhão”, explica.

Para se adequar às normas e tornar o projeto seguro e viável, foi necessário se debruçar sobre uma série de 37 normas de segurança, 14 delas internacionais, criadas pela Robotic Industries Association (RIA). Surpreendido, Vitalli notou que o “buraco era mais embaixo” e percebeu que fazer um robô em cima de uma mesa segurando uma caneta para desenhar a bandeira do Brasil, com certeza o faria “rasgar o diploma”. O objetivo é tornar tudo mais difícil. “Para sacanear o aluno? Não. Para aumentar o rigor do treinamento e atender todas as aplicações da indústria 4.0”, diz. Ele garante: qualquer aplicação pode ser atendida no treinamento.

Vitalli ressalta a importância da indústria 4.0 e o crescimento da automatização de trabalhos, muitas vezes exigidos hoje pelo Ministério do Trabalho para garantir a saúde do trabalhador. “A saúde do trabalhador brasileiro está morta, todo mundo com dor nas costas. É Lei – enfatiza – , se tiver máquina ou equipamento para paletizar, por exemplo, tem que ter robô”, explica. De acordo com o especialista, essa aplicação cresceu muito nos últimos anos. “Mas ela [aplicação] envolve modelos matemáticos, por isso nunca foi tão importante a qualificação em alto nível”, enfatiza.

unidade-móvel-IAR-caminhão

Indústria e Universidade
A maior frustração do engenheiro é a divisão e a falta de comunicação entre a universidade e as empresas no Brasil. “Todo país de primeiro mundo isso é casado, indústria trabalhando junto [com a academia], além do papel do professor/ consultor que leva essa experiência para os alunos. No Brasil, o empresário está para a direita e a universidade está para a esquerda”, afirma. Para provar que conseguiu realizar o contrário, o empresário se orgulha em ter chamado a atenção de professores universitários. O primeiro contrato do IAR foi fechado com a escola de engenharia da PUC-PR.

“A PUC sede o espaço para a gente, sede um escritório – hoje uma filial do IAR – e, em contrapartida, nós pagamos mil horas de pesquisa e qualificação para os professores, através da Agência de Inovação da PUC”, conta. Para Vitalli, as parcerias reforçam uma tendência de mudança do perfil do professor da área de engenharia. Cresce o interesse desses profissionais em deixar o mestrado e doutorado das bibliotecas e passa a crescer o interesse em publicar trabalhos em revistas científicas internacionais de grande prestígio. “Mas, para você publicar um artigo naNature, você precisa ter uma teoria muito inovadora ou ter protótipos de validação prática experimentando tua pesquisa”, lembra. O engenheiro ressalta o desafio, uma vez que a grande maioria das universidades do País não tem estrutura laboratorial para proporcionar isso a alunos e professores.

“Aqui que entra o IAR com todo esse know-how e estrutura de inovação, trazemos alunos em programas de estágio, em programas de iniciação científica e até pós-doutorado. Com tudo isso junto, nós conseguimos gerar patente e aplicar na indústria local. Porque o conceito da unidade móvel é justamente a mobilidade e isso se torna muito interessante, pois você pode viajar o país inteiro e pode visitar qualquer empresa, qualquer universidade”, diz.

Capacitação e mercado de trabalho
Todos os cursos oferecidos pelo IAR têm 40 horas de duração, com duas ofertas de programas: qualificação e programação; e qualificação e manutenção. O Instituto oferece curso base, intermediário, avan- çado,experte perito. Segundo Vitalli, todos eles partem do “zero ao perito de forma organizada”. “Em 40 horas você já sai programando um robô, mesmo no nível básico, pois o treinamento é focado. Nosso aluno sai do curso sendo disputado a tapa [no mercado]”, se orgulha.

Para exemplificar, o empreendedor conta que um de seus alunos fez entrevista para a Volvo, Audi e Magna Cosma. Ele optou pela Magna, pois a empresa cobriu em três vezes o salário das outras empresas. “Isso com formação técnica em mecatrônica, ganhando mais que um engenheiro, porque nós formamos robotistas, uma mão de obra qualificada inexistente no Brasil”, justifica.

“Já cansei de falar, existe um apagão de mão de obra qualificada de mecatrônica e robótica, lamentavelmente as escolas não acompanham [a demanda]”.

Os cursos oferecidos pelo IAR são focados na área de robótica, em três níveis técnicos. Vitalli enfatiza que os treinamentos realizados no Brasil pelas fornecedoras de robôs são fechados, o que dificulta a capacitação do público em geral. Embora qualquer pessoa, “até uma dona de casa”, possa fazer o curso, os profissionais da área de mecatrônica têm maior base para acompanhar as aulas. “Por experiência própria, o treinamento mais importante não é o básico, nem o avançado e nem o perito, é o operacional. É o treinamento número um, praticamente 90% prático. Se você faz esse treinamento, se dedica e vai bem, você não vai ter problema nenhum para fazer os outros”, conta.

Como o Brasil ainda transita da indústria 2.0 para a 3.0, os profissionais formados aqui ainda encontram trabalho, segundo Vitalli. Na indústria 4.0, esse profissional se torna peça- -chave, mas sem capacitação não tem chance de se inserir no mercado. “Então, nunca se apostou tanto em qualificação e treinamento”, afirma. A escassez da mão de obra abre portas, porém para engenheiros estrangeiros. “Tramitam alguns projetos para que as empresas brasileiras possam contratar, sem entraves, profissionais vindos da Europa e Ásia, por exemplo. Se as empresas contratarem especialistas de fora, os brasileiros vão perder espaço, pois apesar de competentes, não suprem as demandas do mercado”, atenta Vitalli.

“Logo, tenho certeza, a profissão de robotista também será reconhecida e ela só não existe hoje, porque não tem gente qualificada”.

executivo-rogerio-vitalli-schunk-feimafe-2015

Robotistas
A profissão de robotista ainda não é regulamenta no Brasil, ainda assim é uma mão de obra escassa no país. Segundo Vitalli, o nome dado a esse profissional foi criado no chão de fábrica a partir de um jargão dado aos profissionais que atuam na indústria programando robôs. Apesar de não ser reconhecido, o engenheiro almeja que a regulamentação ocorra como aconteceu com a profissão de muqueiro. “O exemplo que eu dou é muito simples, existe o caminhão muque e o profissional que opera esse caminhão muque. Esse profissional não tinha piso nem nada, pois não era regulamentado. Hoje, ele é reconhecido: muqueiro”, exemplifica. O salário inicial de um técnico em mecatrônica gira em torno de R$ 2.500,00, enquanto o de um engenheiro mecatrônico, é, em média, de dez salários. Além de tudo, é um mercado que permite rápida ascensão. Os cursos desenvolvidos pelo IAR são voltados para setores com grande demanda tecnológica como mecatrônica, engenharia automotiva, construção, energia, petróleo e gás, mineração, TI e telecomunicações, entre outros.

Agora, a falta de capacitação nessa área reflete em erros gravíssimos nas montadoras, aponta Vitalli. “Estou cansado de ver meus amigos peritos da Alemanha, do Japão e dos Estados Unidos falarem – e eu sou obrigado a concordar: o brasileiro não sabe programar um robô, não conhece a estrutura de programação. Não conhece em um nível mais sofisticado”, lamenta. O resultado disso é o carro com a roda torta, eixo e tampa de veículos fabricados no Brasil com erros.

“É extremamente grave, mas isso não aparece, só aparece quando o defeito surge para o consumidor”, denuncia. Afirmações como essas são possíveis a partir do treinamento personalizado, realizado no último dia do programa para algumas turmas que se destacam. “Nós pedimos para os alunos trazerem os backups da programação dos robôs para os ajudarmos e para eles mostrarem e aplicarem o conhecimento que tiveram. Quando abrimos esse backup nos deparamos com toda lógica e toda programação com 20 a 30% de erros de lógica”, afirma.

Engenharia e Certificação
Embora o Ministério da Educação (MEC) não reconheça e certifique os cursos do IAR, isso também não está nos planos de Vitalli. “Queremos um reconhecimento internacional, pois como eu disse, o MEC não entende de mecatrônica e nós também não somos uma universidade, mas somos reconhecidos pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-SP). Nós somos, inclusive, homologados pelo nosso conselho a dar laudo técnico de NR-12”.

O engenheiro conta que o termo mecatrônica foi criado no chão de fábrica japonês, onde empresas conceituadas de tecnologia tinham especialistas em mecânica e em eletrônica, mas eles não conversavam entre si e isso trazia muitos problemas. “Os problemas que apareciam tinham demanda das duas áreas, tanto mecânica quanto eletrônica. O chão de fábrica japonês e as universidades criaram o conceito de mecatrônica juntos”. Isso funcionou, porque indústria e universidade abraçaram a problemática e se prepararam para criar uma mão de obra qualificada. “No Brasil, as universidades não entendem isso, porque o Governo não entende isso. Vou te mostrar isso com uma simples análise de como sai no diploma de faculdade de um engenheiro. Sai nele ‘Engenharia Mecâ- nica – Controle e Automação – Mecatrônica’. Eu falo para chamar a polícia, inclusive disse dentro do Ministério da Educação: isso é um crime! Eles estão misturando três engenharias”, salienta.

O perito continua: Engenharia de Controle e Automação é o que mais se assemelha à mecatrônica, mas não é mecatrônica – o próprio nome já diz, eu vou automatizar e depois vou controlar, é o profissional mais preparado para processos, para automação e periféricos, tipo garras, sensores, câmeras, dispositivos etc. Ao pé da letra, então, o que seria a mecatrônica? A união da mecânica, eletrônica e computação, criação de máquinas e desenvolvimento de dispositivos que controlam a produção. Vitalli lamenta que “controle” seja lecionado somente em nível básico, de forma mais avançada o aluno só encontra formação específica em cursos de pós-graduação. Além disso, as disciplinas de mecatrônica e de robótica estão dentro de “automação” e são ministradas ao fim do curso.

“O mecatrônico não precisa ser tão pontual em mecânica, nem tão pontual em eletrônica, mas tem que ser melhor em uma coisa que os dois não são: controle”.

“Alguns cursos de mecatrônica realmente programam robôs, estão preocupados com os números que ele gera. E, de fato, o mecatrônico deveria programar um robô, mas a maioria das universidades não tem robôs, porque custa caro e, quando tem, entra no curso no quarto ou quinto ano. O professor tem 60 horas para dar ao longo de seis meses e um robozinho didático para dividir com 100 alunos”, explica.

Futuro
A ideia inicial do projeto era levar treinamento pelo Brasil afora, entretanto Vitalli se surpreendeu com o retorno das visitas realizadas durante a primeira participação em feira do IAR, na Feimafe 2015, realizada em maio desse ano. “Eu tenho encomendada, pelo menos, mais duas carretas para o ano que vem com outros fabricantes de robôs”, comemora. Durante o evento, outra universidade do Paraná se interessou pelo projeto. O plano de Vitalli era ter uma segunda unidade em 3 ou 4 anos, mas o impacto da feira trouxe a procura de universidades e acelerou os planos. O projeto de adaptação da carreta é 100% do IAR, produzido pela Facchini S.A.

“Eu fico feliz que o projeto é bom e consegue ajudar muitas pessoas. A ideia era, realmente, qualificar a indústria, mas a universidade está tão interessada quanto, e para o aluno é importante chegar na indústria já qualificado. O caminho inverso é mais difícil e falando de indústria 4.0 não dá mais para perder esse tempo”, finaliza. M&F

+ Continue Lendo…

Baixe já o aplicativo grátis da Revista Manufatura em Foco e veja os materiais complementares que nós preparamos para você:

VÍDEO I.A.R. no Palco de Novidades e Inovações – Feimafe 2015 https://www.manufaturaemfoco.com.br/app

 
 



There is 1 comment

Add yours
  1. [email protected]

    Olá Karina, boa tarde.
    Fiquei impressionado com a matéria. Sou robotista desde 1994 e ainda não entendo o que querem dizer com “falta de mão de obra qualificada”. Isso é algum jargão referente ao valor hora de um Robotista ser acima de R$50,00? É um panorama restrito à visão da Indústria? Digo isso pois até o momento não temos nenhuma defenda de nossa categoria e quando vemos reportagens assim vemos que estamos caminhando para uma profissão que não mais remunerará bem. Um robotista com 5 a 10 anos de experiência ganha na faixa de R$8000,00 a R$12000,00. Poderíamos discutir melhor o assunto?

    Grato

    Jorge Souza


Post a new comment