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Comprar ou produzir (Make or Buy)? Uma decisão estratégica

No número anterior de “Manufatura em Foco” foram explorados métodos para sequenciamento de tarefas válidos tanto para processos produtivos, como para processos administrativos, mas sempre focados na produção de bens ou serviços realizados dentro das organizações.

Neste número, serão abordados os principais aspectos relativos a uma importante e estratégica decisão que a maiorias das empresas enfrenta atualmente: quando vale a pena fabricar bens ou fornecer serviços utilizando recursos internos e em quais cenários ou situações deve-se optar por fornecedores externos.

Os riscos inerentes a cada opção, fatores econômicos, qualidade, capacidade e confiabilidade também são pontos que devem ser considerados.

A figura 1 apresenta, de forma resumida, as vantagens e desvantagens de cada opção, relacionando a decisão com as características da demanda dos produtos ou serviços envolvidos.

Para compreender adequadamente a importância desta decisão, algumas considerações anteriores devem ser feitas: as principais referem-se ao projeto da cadeia de suprimentos (também chamado de projeto da rede de operações) em que cada organização se insere e ao conceito de “Reengenharia dos Processos de Negócios”.

PROJETO DA REDE DE OPERAÇÕES
A figura 2 apresenta os principais fatores a serem considerados no projeto da rede de operações: a localização, a capacidade produtiva e o grau de integração vertical planejado.

A importância da localização e sua influência sobre a decisão entre “fabricar internamente ou comprar” é facilmente compreendida: quanto maior a distância entre potenciais fornecedores e clientes, maiores os custos de transporte, o que pode inviabilizar esta opção.

A capacidade produtiva também influencia esta decisão, uma vez que se houver ociosidade dos recursos internos de uma organização dificilmente ela considerará a opção de comprar serviços de um fornecedor – neste caso, deve-se considerar tanto os custos envolvidos, como o know- -how necessário para a operação.

O grau de integração vertical é definido como “o grau de posse que uma organização planeja ter sobre a rede de operações”, e deve ser compreendido sob três aspectos distintos (figura 3):

– Direção da expansão: a operação planeja expandir-se na direção dos clientes (da demanda) ou dos fornecedores (dos suprimentos);

– Amplitude do processo: tenciona concentrar-se na atividade core (principal) ou expandir-se;

– Equilíbrio: a operação planeja ter fornecedores e clientes exclusivos, ou considera possível compartilhar recursos com outras empresas.

Nota-se, portanto, que as decisões tomadas na fase de projeto da rede de operações influenciam diretamente a opção entre fabricar internamente ou comprar de fornecedores (make or buy).

A figura 4 apresenta as vantagens e desvantagens que derivam do grau de integração planejado para uma rede de operações: quanto maior a amplitude da rede, maior controle sobre a operação (qualidade, fluxo produtivo, capacidade, know-how de processos estratégicos). Por outro lado, quanto maior a concentração nas atividades core da organização, maior flexibilidade para suportar variações de demanda e capacidade, e menor impacto das flutuações de consumo sobre o negócio.

REENGENHARIA DOS PROCESSOS DE NEGÓCIOS (BPR)

O livro “Reengenharia das organizações: uma revolução nos negócios”, de 1993, de Michael Hammer e James Champy, é a referência mais utilizada quando se busca uma definição do conceito de BPR (Business Process Reengineering).

A definição é a seguinte: BPR é a mudança radical da forma de pensar e organizar uma empresa e seus processos de negócios, de modo a obter ganhos significativos em indicadores críticos de performance, relacionados a custos, qualidade, nível de serviço e velocidade.

Embora nos últimos anos a BPR tenha se concentrado no redesenho dos processos e no uso intensivo de recursos de tecnologia da informação (TI), sua origem tem foco no reexame dos objetivos principais de um negócio, visando a otimização de seus resultados.

Nas décadas de 60 e 70, o cenário industrial era formado, sobretudo, para as grandes empresas, por unidades produtivas com milhares de funcionários, processos completamente verticalizados e com todas as operações (tanto produtivas, como suportes) executadas por seu pessoal interno.

Parte dos motivos residia na grande dificuldade em identificar fornecedores qualificados para suprir algumas operações. Na época, fabricantes de máquinas- -ferramenta, por exemplo, possuíam unidades até mesmo para a fundição de componentes estruturais para atender seus requisitos de qualidade e capacidade.

A partir da década de 80, e com a intensificação desta tendência nas décadas posteriores, as grandes empresas passaram a optar por unidades menores, com foco no know-how de processos estratégicos, no projeto de novos produtos e serviços. Em alguns casos, empresas de vestuário chegam a repassar a seus fornecedores até mesmo a fabricação de seus produtos, concentrando suas atividades em desenvolvimento tecnológico de novos materiais e design.

Atualmente, fabricantes de automóveis e eletroeletrônicos são conhecidos por deter o know-how de produtos e partes do processo consideradas estratégicas para o negócio, e são conhecidos como “montadoras”, devido a este foco.

Esta transformação deve-se, em parte, à aplicação da BPR, que contribuiu para intensificar a tendência de outsourcing, ou seja, o desenvolvimento de fornecedores qualificados para atender as demandas da parte das operações que não é considerada o core business para uma organização.

Desse modo, a influência do projeto da rede de operações e do uso intensivo dos conceitos da BPR é visível e impactante sobre a decisão make or buy.

No entanto, o detalhamento de alguns aspectos como: custos envolvidos, análise da capacidade produtiva e padrão de qualidade requerido são fundamentais para balizar adequadamente as decisões. Nos próximos itens deste artigo, estes fatores serão explorados.

FUNDAMENTOS DA ANÁLISE MAKE OR BUY

A tabela 1 apresenta os principais fatores qualitativos e quantitativos a serem considerados nesta análise.

O exemplo mostrado no gráfico 1 analisa os custos de produção quando são consideradas duas opções para o fornecimento de um dos componentes do produto: fornecimento externo ou fabricação interna.

Considerando os seguintes custos envolvidos: Custo para fabricação interna: composto pelo custo de introdução do novo processo e pelo custo de fabricação. Para este exemplo, considera-se:

Custo para introdução do processo (investimento necessário): US2.000

Custo de produção (interna): 1,9xQ (Q: quantidade a ser produzida)

O custo para fabricar internamente (make) resulta: (I) = 2.000 + 1,9Q

O item a ser comprado tem um custo de (F) = 2,3Q para a empresa, definido pelo fornecedor.

Assim, como ambos os custos são diretamente dependentes da quantidade a ser “fabricada ou fornecida”, tem-se como resultado que, para quantidades menores que 5.000 unidades, a opção deve ser a compra do item do fornecedor.

Para quantidades maiores que 5.000 unidades, deve-se optar pela fabricação interna.

Embora este cálculo seja extremamente simples, ele pressupõe que uma informação fundamental deve estar disponível com a acuracidade requerida: o custo interno de fabricação do item. Nem sempre, para as organizações produtivas, a composição de custo é simples e fácil de ser estabelecida, dificultando esta análise.

Outro aspecto importante a ser avaliado diz respeito à capacidade produtiva. Quando a empresa possui disponibilidade de recursos para executar as operações, a análise fica simplificada, conforme o exemplo anterior. Mas caso esta capacidade seja limitada, custos relativos a horas extras ou contratações precisam ser avaliados.

A tabela 2 apresenta os principais custos a serem avaliados, de forma geral. Neste próximo exemplo, será considerada a análise entre 2 opções: subcontratar horas de um fornecedor ou absorver o excedente de horas necessário na fabricação interna, usando horas extras.

Considera-se o seguinte cenário: um fabricante de tintas automotivas possui capacidade instalada para produzir 40.000 galões por mês. A tabela 3, seguinte, apresenta a demanda trimestral para os próximos quatro períodos.

Para avaliar as possibilidades de subcontratação e pagamento de horas extras, e a partir desta análise definir a melhor estratégia para produzir a quantidade excedente por trimestre, são fornecidos os seguintes dados:

Preço do fornecedor: U$ 19,50 por galão, com garantia de fornecimento de até 20.000 galões por período;

Custo da hora extra: U$ 9,50 por hora trabalhada; Padrão de trabalho (para a empresa): 2,311 homem.hora/galão.

Com estas informações, calcula-se o custo das duas opções (fabricar internamente utilizando horas extras ou contratar fornecedor). Os resultados estão mostrados na tabela 4. Na tabela, compara-se o custo excedente para produzir os galões necessários (que ocorre nos períodos 2, 3 e 4) para as duas opções. O resultado aponta a contratação do serviço de um fornecedor como a opção mais adequada.

No exemplo mostrado, a capacidade excedente nunca excedeu a capacidade do fornecedor (até 20.000 galões por trimestre). Caso isto ocorresse, seria necessário considerar outras fontes de fornecimento ou até mesmo compor a demanda com parte produzida internamente e parte fornecida externamente.

Outro aspecto importante desta análise é considerar que o padrão de trabalho (2,311 homem.hora/galão) é uma informação que deriva da área de Métodos e Processos. Assim, sua acuracidade também deve ser alta, sob risco de inviabilizar a análise .

No caso de um fornecedor de serviços, a situação é semelhante.

O exemplo seguinte apresenta um caso de análise make or buy para uma empresa de movimentação de cargas.

Um distribuidor de cargas recebe e distribui fretes aéreos e possui 24 operadores que trabalham no terminal. A tabela 5 apresenta a demanda dos próximos sete meses.

Deve-se determinar a melhor estratégia para a empresa: trabalhar em horas extras ou acompanhar a demanda, contratando ou demitindo mão de obra, conforme a demanda de cada período de trabalho.

Os dados disponíveis são:

Custo de horas extras: U$ 2.600 mensais por operador

Custo de contratação: U$ 2.000 mensais por operador

Custo de demissão: U$ 3.500 mensais por operador

A análise dos custos gera os resultados mostrados na fi gura 5.

De acordo com os resultados mostrados, o custo associado à utilização de horas extras (necessárias nos períodos 2, 3, 4 e 5) totaliza U$41.600, enquanto o custo associado à contratação (meses 2 e 3) e demissão (meses 4 e 6) de mão de obra, totaliza U$33.000.

Desse modo, sob o prisma da análise de custos envolvidos, a opção de contratação/ demissão é mais adequada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise make or buy deve basear-se em dois aspectos, que podem ser divididos em estruturais e contingenciais.

Os aspectos estruturais dizem respeito à estratégia do negócio: o modelo de rede de operações planejado para uma organização e a aplicação dos fundamentos da BPR podem infl uenciar signifi cativamente na decisão “fabricar internamente”, aumentar o grau de verticalização da cadeia, ou concentrar-se nas atividades fim e reduzir a amplitude da rede de operações e aumentar a dependência de fornecedores.

No entanto, os aspectos contingenciais também devem ser considerados, pois a disponibilidade de fornecedores com a qualifi cação necessária, com capacidade produtiva e know-how adequado pode limitar as opções e reconfi gurar a rede de operações planejada pela empresa.



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