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A sustentabilidade passa pelo plástico

Material permitiu inovações tecnológicas em diferentes indústrias e se distancia da fama de um dos principais vilões do meio ambiente à medida que ganha versões ecológicas e renováveis.

Poucos materiais são tão versáteis como o plástico. Por ser leve, durável e um ótimo isolante térmico, ele tem sido empregado em uma ampla gama de indústrias, da eletrônica à construção civil, passando pela alimentícia, automobilística e até mesmo a indústria têxtil. Entretanto, é o seu caráter onipresente que também o coloca como um dos grandes vilões do meio ambiente.

De acordo com o Programa Ambiental das Nações Unidas, mais de oito milhões de toneladas de plástico chegam aos oceanos todos os anos. Tal acúmulo tem impacto direto na vida marinha, com cerca de 46 mil unidades flutuantes de plástico responsáveis pela morte de mais de um milhão de aves e de outros 100 mil mamíferos marinhos por ano. O programa projeta que, até 2050, 99% das aves marinhas terão ingerido o material.

O problema tem obrigado governos, organizações não governamentais, empresas e a indústria a repensar toda a cadeia de produção do insumo desde a sua origem. Tendo em vista que a fabricação tradicional das resinas plásticas se dá a partir dos poluentes petróleo e gás natural, empresas e pesquisadores têm se dedicado a desenvolvê-las a partir de fontes renováveis, além de pensar possibilidades de reciclagem ou que prolonguem a sua vida útil – uma vez que a estrutura química muito estável do produto pode exigir até 450 anos para que se degrade. Novas formas de produzir o plástico e moldá-lo surgem também para reduzir sua pegada de carbono, que mede o impacto em termos de emissões de gases estufa, como o dióxido de carbono.

Com um investimento de US$ 290 milhões, a Braskem inaugurou, em 2010, uma fábrica em Triunfo (RS) dedicada à fabricação do chamado Plástico Verde, feito a partir do etanol da cana-de- -açúcar. Segundo a petroquímica, para cada tonelada de polietileno produzido a partir da cana-de-açúcar, 2,78 toneladas de dióxido de carbono deixam de ser emitidas na atmosfera.

“O desenvolvimento do Plástico Verde teve diversos aspectos importantes e agregadores, como mostrar ao mundo a capacidade de inovação do Brasil.

Apresentamos uma alternativa positiva ao petróleo como matéria-prima a cana-de-açúcar, que tem capacidade energética como nenhuma outra fonte no mundo. Além disso, o Plástico Verde trouxe benefícios ambientais, com a captura de CO2 da atmosfera, contribuindo para a redução do efeito estufa,” ressalta Gustavo Sergi, diretor de Químicos Renováveis da Braskem.

O processo de produção começa com a desidratação do etanol para transformá- lo em eteno verde, que segue para as unidades de polimerização, nas quais é transformado no polietileno. O plástico de cana-de-açúcar é, então, levado para as chamadas empresas de terceira geração, que são aquelas que transformarão ou converterão as resinas em produto.

Em seu estado final, o Polietileno Verde apresenta as mesmas características técnicas e de aparência do polietileno convencional. Isso agrega ao plástico ecológico as mesmas virtudes que fazem dele um material de excelência para ser aplicado em setores, que vão desde o de higiene e limpeza ao alimentício e automotivo.

Hoje, mais de 150 marcas utilizam a resina ao redor do mundo, entre elas a Natura, Tetra Pak, J&J Tramontina e Shiseido. A Braskem calcula que a produção atual do PE Verde atinja as 200 mil toneladas por ano, um montante que atende mercados na América do Sul, Estados Unidos, Europa e Ásia. Entretanto, segundo a petroquímica, o maior volume de vendas é destinado ao mercado interno.

UM MUNDO SEM PLÁSTICO É POSSÍVEL?
O relacionamento da humanidade com o plástico é relativamente recente, porém seus laços se estreitaram com o passar das décadas e das evoluções tecnológicas. Era 1909 quando o químico belga Leo Baekeland descobriu a resina fenol-formaldeído, popularizada a partir de 1920 com o nome baquelite. Mas foi só na Segunda Guerra Mundial que o material ganhou protagonismo com a fabricação em grande escala de duas de suas variantes, o PVC e o nylon. A partir dos anos 1950, sua produção decolou na esteira da exploração do petróleo e, nos últimos 50 anos, a produção global do insumo continuou a subir sem nenhuma pausa. Segundo a World Watch Institute, em 2013, cerca de 300 milhões de toneladas de plástico foram produzidas – um aumento de 4% em relação ao ano anterior. O crescente mercado asiático, com destaque para a China, é apontado como um dos motivos para a ampliação da demanda.

Fato é que o mundo como hoje o conhecemos seria inviável sem as facilidades proporcionadas pelo plástico. No quadro geral da poluição, ele é, muitas vezes, defendido como a opção mais sustentável. Sem suas vantagens e qualidades, nossos alimentos seriam menos seguros e estragariam rápido, aparelhos eletrônicos precisariam usar madeira e vidro como substitutos imprimindo em nossos televisores um permanente visual retro. A mobilidade de nossos diminutos computadores de mesa e bolso também estaria comprometida sem o plástico.

Nas indústrias aeroespacial e náutica, automobilística e até mesmo na construção civil, o plástico substitui materiais como ferro, alumínio e madeira, uma troca que proporciona, por exemplo, melhor eficiência energética.

“Os sistemas de poliuretano, espumas especiais e plásticos de engenharia foram fundamentais para deixar os carros mais leves, economizar energia e combustível. Isso tem aumentado o desempenho dos veículos e, ao mesmo tempo, reduzido a emissão de gases tóxicos no meio ambiente”, avalia Murilo Feltran, gerente de marketing de Materiais de Performance da BASF.

A BASF é outra gigante do setor que tem investido em pesquisa e desenvolvimento, resultando na entrega de soluções ecologicamente corretas para um portfólio de clientes que inclui representantes da construção civil, automotiva, agricultura e de embalagens.

“O mercado de embalagens vem estudando muitas alternativas para solucionar a questão dos materiais, especialmente aqueles para produção de sacolinhas de supermercados. As embalagens compostáveis ou biodegradáveis são a opção mais sustentável e interessante para a utilização em massa”, destaca Feltran. No portfólio de embalagens biodegradáveis, a BASF oferta o ecoflex® e o ecovio® que no final de sua vida útil ainda se transformam em água, CO2 e adubo.

Na construção civil, a multinacional de origem alemã possui os sistemas de poliuretano, como o Elastopir® e Elastospray®, utilizados como isolante térmico na fabricação de painéis ou aplicados in loco em forma de spray. “Novas aplicações surgem para trazer maior produtividade, sustentabilidade e até eficiência energética. Já foram desenvolvidas tecnologias que promovem o isolamento térmico e acústico de forma eficiente e com comportamento seguro ao fogo”, explica Feltran. Tais soluções conseguem contribuir para uma eficiência energética superior em sistemas construtivos, diminuindo o consumo de energia com ar-condicionado ou aquecimento, e melhorando o conforto térmico dos ambientes.

CASAS MAIS EFICIENTES
O plástico também conquistou diferentes aspectos da construção civil, que vão desde as telhas e forro ao sistema de ventilação, janelas, revestimentos, e sistemas hidráulicos. O material tem beneficiado a indústria que vê nele uma saída mais econômica e durável. Seu espectro sustentável também é garantido por empresas que o colocam como protagonista em suas soluções. É o caso da Impacto Protensão, empresa cearense que desenvolveu um sistema de construção de lajes de prédios que utiliza dispositivos que envolvem plástico reciclado, design e protensão de concreto. Segundo a Impacto, suas soluções são capazes de promover economia de 85% de uso de madeira durante a construção e até 40% em mão de obra. A empresa também garante que seu sistema sustentável de construir lajes pode reduzir em até 2% os custos totais da construção de um prédio.

Para Luís Filipe Batista Cordeiro Araújo, responsável pelo desenvolvimento de novos produtos da Impacto Protensão, o mercado da construção civil é tradicionalmente pouco aberto a inovações. Uma lacuna da qual a companhia, que afirma ter 11 patentes ligadas ao plástico, tem se aproveitado. A Impacto chega a aplicar de 8% a 14% de seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento. Entre seus projetos estão a participação na construção da Arena Castelão e Shopping Iguatemi, ambos em Fortaleza.

“Ao utilizar a madeira em uma obra, quase tudo que se aplica, ao final, torna-se lixo. As peças plásticas podem ser reaplicadas em diversas obras, dependendo dos cuidados durante o uso. Além disso, o plástico é 100% reciclável, permitindo o reaproveitamento total dos produtos nas mais diversas aplicações”, elenca Araújo.

Investimentos em P&D e o modelo reciclável de sua cadeia de produção permitiram criar, com o lixo que seu sistema produz, os chamados “containers sustentáveis”, construídos por peças plásticas encaixáveis que podem servir como solução móvel e de baixo custo para canteiros de obras, escolas, refeitórios e até casas residenciais.

MOVIDOS A PLÁSTICO
As crises do petróleo, entre os anos de 1973 e 1979, levaram a indústria automobilística a repensar a produção de automóveis. Feitos até então quase que exclusivamente com materiais pesos- -pesados, como o ferro e aço, os automotivos exigiam muito combustível. Entretanto, as inovações dos polímeros de alto desempenho, que possuem resistência mecânica, térmica e química, levaram o setor a outro patamar.

“A substituição do aço pelo plástico traz, entre as principais vantagens, a redução de peso, a versatilidade do design, a produtividade, a estética, a performance, a durabilidade e a redução na incidência de corrosão nas peças do exterior do veículo”, explica Cristiane Gonçalves, supervisora de Engenharia de Materiais da Ford.

Com o plástico, os modelos se tornaram 30% mais leves, uma redução que trouxe alívios consideráveis não só ao bolso de consumidores quanto ao meio ambiente. Segundo a American Chemistry Council, ao adotar o plástico na fabricação de veículos, 4,7 toneladas de dióxido de carbono deixam de ser emitidas por carro ao longo de sua vida útil. Isso porque automóveis mais leves são mais eficientes energeticamente, consumindo assim menos combustíveis e gerando menos poluentes. E não só, os materiais plásticos necessitam menos energia para serem produzidos, o que também contribui para a redução das emissões de gases e resíduos.

A Ford tem se aventurado na criação de materiais ecologicamente corretos, que possam substituir derivados do petróleo na fabricação de componentes automotivos. Dos cerca de 180 quilos de plástico que vão em um automóvel, os modelos da Ford (incluindo aí as linhas Ka, New Fiesta, Focus, EcoSport) já utilizam de 5 a 7 kg de PET reciclado em seus carpetes, forro de teto, caixas de roda e mantas de forração acústica, além de sobras de tecidos como jeans em estofamentos, carpetes e forros. No Brasil, os caminhões Cargo usam um composto de fibra de sisal no painel de instrumentos desenvolvido localmente. Segundo a montadora americana, a meta global é que seus carros sejam produzidos com um índice de 95% de materiais recicláveis e renováveis.

Um dos projetos mais recentes da montadora foi buscar parceria com a Jose Cuervo, tradicional fabricante de tequila. A empresa está desenvolvendo um novo bioplástico feito com fibras de agave, planta usada na fabricação da bebida mexicana. Recentemente, a Ford passou a usar a goma de mascar, que pode ser transformada em plástico, como alternativa para produção de peças automotivas. “A tendência de substituição de aços por plásticos continua em avanço, e tem como fator decisivo a disponibilidade da tecnologia de processamento de matéria- -prima a custos mais competitivos”, avalia Cristiane.

COMPETITIVIDADE À medida que pesquisas e inovações a respeito do plástico avançam em diferentes indústrias, a rejeição ao material tende a mudar. Para muitos, o problema em sua adoção está no consumo exagerado. Em relação a reciclagem, o Brasil tem números que o aproximam da União Europeia. Segundo a Plastivida, Instituto Sócio-Ambiental dos Plásticos, hoje a indústria brasileira de reciclagem mecânica recicla em torno de 21% dos plásticos pós-consumo.

A sustentabilidade, entretanto, encontra obstáculos na falta de incentivos para fomentar o setor. Substituir toda a produção por opções sustentáveis e “verdes” é um horizonte ainda distante, tendo em vista que as opções ecologicamente corretas ainda são mais caras que as tradicionais. “A indústria pode diversificar, oferecer insumos ou produtos mais sustentáveis, mas isso não significa que terá adesão. Há um movimento bastante favorável, mostrando maior conscientização das empresas e dos consumidores, mas ações mais consistentes dependem de legislação específica”, avalia Murilo Feltran, gerente de marketing de Materiais de Performance da BASF.

Em 2013, a Abiplast e a Braskem lançaram o Plano de Incentivo à Cadeia do Plástico, programa que visa aumentar a competitividade do setor de transformados plásticos em temas como gestão e melhoria de produtividade, além de aumentar exportações e promover as vantagens do plástico.

José Ricardo Roriz, presidente da Abiplast, afirma que em três anos de atuação mais de mil empresas participaram de capacitações e iniciativas de desenvolvimento de mercado, inovação e exportação. “O material plástico tem uma grande importância social e apresenta características de sustentabilidade intrínsecas, considerando sua reciclabilidade. Ainda há falta de informação quanto ao potencial de reuso e o descarte correto desses materiais para reciclagem”, destaca o representante.

Na avaliação de Roriz, a indústria brasileira de transformados plásticos tem adotado tecnologias que permitem novos resultados e soluções que garantem qualidade de produção, além de dar condições para sermos competitivos no mercado internacional. Entretanto, no mercado interno, há fatores que dificultam nossa competitividade, incluindo o Custo Brasil – que encarece produtos e faz com que não tenhamos vantagens competitivas em termos de preço. “Em comparação com o mercado internacional, há ainda poucos investimentos nacionais em termos de novas capacidades e materiais, sendo que a maioria ainda está em estudo, o que torna ainda mais difícil o acesso às matérias-primas competitivas”, ressalta Roriz.

Para Gustavo Sergi, diretor de Químicos Renováveis da Braskem, a sustentabilidade em si precisa ser encarada como diretriz nos negócios, uma mudança na cultura de empresas que tem crescido. O movimento leva ao aumento da demanda por produtos sustentáveis, principalmente das regiões mais desenvolvidas como Europa, Estados Unidos e Japão, com o desenvolvimento do mercado de biopolímeros diretamente associado a tais fatores. Mesmo diante de dificuldades, a projeção, diz Sergi, é otimista para o setor. “Estimativas até 2020 apontam crescimento acima de 20% ao ano, quando o volume anual de vendas de biopolímeros chegaria a oito milhões de toneladas. O Brasil ainda está em um estágio inicial de desenvolvimento, porém o número de clientes interessados vem aumentando significativamente, gerando uma expectativa positiva para o mercado interno”, projeta o executivo.



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