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Visões da garantia contratual que impactam o cliente da indústria automotiva

Mais do que visar sua necessidade, hoje um cliente que busca adquirir um carro valoriza seus anseios emocionais, sejam eles proporcionar um status social, prestígio ou, quem sabe, até a realização de um grande sonho. Como um veículo é um item de consumo de alto valor financeiro, nem sempre tão facilmente atingido, o consumidor anseia por este bem e, quando o adquire, deseja sua perfeição, a qual raramente será efetivamente alcançada pelos seus fabricantes, visto que é uma percepção individual que, portanto, varia de cliente para cliente.

Para chegar o mais próximo possível dessa “perfeição” esperada pelos consumidores, as montadoras investem em ferramentas diversificadas de aproximação com o cliente para entender quais são os seus anseios, as suas necessidades, esmiuçando cada percepção para aprimorar sua competitividade no mercado. Devido a políticas de garantia estendida praticadas por empresas menos tradicionais no Brasil, as marcas líderes de modelos populares vinham perdendo a participação no mercado, revisando, em 2014, o período de cobertura da garantia dos seus modelos de entrada. O que era de um ano, passou para três para acompanhar a concorrência (LARA, 2014).

A concorrência cada vez mais ampla faz com que as empresas inovem cada vez mais em seus benefícios e serviços, que fazem parte do produto quando o cliente opta por uma marca. Um desses benefícios embutidos é a garantia. Esta, a priori, é um item estipulado por lei, mas que, de forma estratégica, vem sendo usada como um incentivo para determinar a escolha de compra, formatada como garantia contratual.

A indústria encontrou na garantia contratual uma forma de se melhorar constantemente e de se aproximar do consumidor final de maneira a atingir seu principal objetivo: maior participação de vendas no mercado.

Na década de 50, para desenvolver a Indústria Brasileira, o governo criou um plano de inserção da indústria automotiva no país. Segundo Amato Neto e D’Angelo (2000), este desenvolvimento ocorreu em passos, sendo o primeiro o incentivo à instalação de montadoras estrangeiras e à expansão das que já estariam aqui instaladas; o segundo passo foi dado com o aumento de produção e das vendas; enquanto o terceiro, deu-se pelo pequeno avanço que este ramo teve durante a crise dos anos 60 no país. Na sequência, passou novamente por um processo de desenvolvimento e estagnação e chegando quase à produção inicial. Nos anos 90, o país libertou-se da proteção que as companhias brasileiras tiveram por quase 30 anos, abrindo as portas para o mercado de indústrias estrangeiras. Nesta época também chegou ao Brasil o conceito dos carros populares, com taxas mais baixas, incentivando suas vendas.

A partir de 2004, o Brasil dá um passo de consolidação no mercado produtivo e consumidor, chegando em 2010 com 81,7% da produção de automóveis na América do Sul (COSTA; HENKIN, 2010). Com o aumento da concorrência, as montadoras vêm ampliando suas tecnologias, buscando a inovação, qualidade e segurança, bem como a busca da excelência da prestação de serviço para obter uma vantagem competitiva e estabelecer uma visão confiante da marca para o cliente.

Aaker (1998) afirma que a marca, quando bem-sucedida, torna-se eterna, pois é algo exclusivo comprado pelo consumidor, enquanto o produto é algo produzido em série e pode ser copiado pela concorrência.

A qualidade percebida faz parte do conjunto de ativos e passivos ligados a uma marca que, segundo Aaker (1998), é a percepção do cliente com relação às concorrentes. O que faz o cliente buscar uma ou outra marca é a confiança que, ao investir, terá superado o preço pago pela qualidade do produto/serviço comprado (CARNEIRO, 2011). Moreira (2011) define a qualidade percebida como “a soma de valor de todas as interações do cliente com a empresa”. Unindo-se, portanto, esses conceitos, Fernandes (2012) assimila a qualidade percebida “como a relação entre percepção e expectativa” do cliente, ou seja, a associação que o cliente faz com o que recebe (produto/serviço) e o que ele esperava receber.

A indústria encontrou na garantia contratual uma forma de se melhorar constantemente e de se aproximar do consumidor final de maneira a atingir seu principal objetivo: maior participação de vendas no mercado.

Não há consenso entre muitos autores sobre técnicas e métodos de identificação exatos para mensurar a qualidade percebida, portanto cada empresa adota seus métodos e foca em investir seus esforços de acordo com a sua estratégia.

Existem garantias de origem legal ou as de origem contratual. Ambas estabelecem uma “responsabilidade” em caso de o produto ou serviço necessitar de reparo antes do tempo previsto (BLISCHKE; MURTHY, 1992). A diferença entre a garantia legal e a contratual é que a primeira é prevista por lei (legal) e a segunda é oferecida pelo fabricante e geralmente se estende por um período maior do que a legal. Devido à disputa acirrada da concorrência, a garantia contratual acaba sendo uma ferramenta de marketing, sendo utilizada como um benefício para o cliente.

O custo em conquistar novos clientes pode ser de cinco a sete vezes superior ao de manter um (GONÇALVES, 2007), uma vez que os clientes antigos tendem a confiar na marca, comprando mais e por diferentes canais, além de serem uma forte influência no boca a boca, podendo incentivar outros clientes indecisos. Como Joe Girard (12 anos consecutivos no Guiness como o maior vendedor de carros do mundo) dizia: “A venda não acaba quando o cliente compra – ela está apenas começando”, a garantia pode ser uma ferramenta importante para fidelizar estes clientes, visto que esta motiva o mesmo a acreditar que a empresa não irá falhar com seu compromisso, mas se falhar, ele não terá prejuízo. A garantia tem, portanto, o poder de refletir a imagem da qualidade dos produtos e serviços de uma empresa.

A garantia deve ser pensada estrategicamente para que não entre em conflito com as operações da empresa, pois pode gerar uma promessa sem a capacidade de ser cumprida, levando a reverter o quadro das vendas, prejudicando sua credibilidade, pois deixa o cliente inseguro.

Porém, se feita uma gestão correta, consegue-se estimar e propor uma garantia limitada às suas condições e interferindo de forma positiva nas operações, pois estimula uma redução de falhas, o que acarreta uma melhora na qualidade, desde o desenvolvimento do seu produto, passando por uma exigência maior na qualidade dos seus fornecedores, aprimorando seu processo produtivo e toda a cadeia de serviços pós-venda.

A garantia deve focar nos atributos necessários ao cliente, pois deve representar algo que agregue valor ao mesmo, sem desviar seu foco para produtos ou serviços não importantes. Ao abrir as portas para a reclamação dos clientes, a garantia oportuniza à empresa rever suas falhas e consertá-las, colocando em prática a melhoria contínua. Com isso, podem-se gerar indicadores de qualidade para monitorar e quantificar seus desvios, focando em conhecer a fundo todo o seu processo produtivo, desde a raiz.

Dentro do período de garantia, o cliente está com seu veículo protegido diante das falhas que possam ocorrer em seu bem. Estas falhas podem ser provenientes de peças fora da especificação indicada, processo de montagem com algum desvio, algum serviço prestado naquele veículo que tenha interferido no seu funcionamento ou até mesmo uma falha do projeto de concepção. Visto que é de responsabilidade do fabricante arcar com os custos dessas falhas dentro do período estipulado, se este não produzir produtos confiáveis seus custos serão altíssimos e os inconvenientes para seus clientes trarão impacto negativo para a sua marca, ainda mais se suas falhas gerarem riscos no fator segurança tanto para seu consumidor, quanto para a população em geral.

Em contrapartida, ao aumentar a confiabilidade de seus produtos, a empresa eleva também seus custos tanto com os seus fornecedores, quanto em seus projetos, bem como em sua linha de produção. Dentro da análise de viabilidade de um projeto, os custos de garantia também são previstos. Diferentes tipos de falhas podem ser encontrados em campo e elas podem interferir na aparência, no funcionamento e até na segurança do veículo. Umas falhas influenciam mais nos custos do que outras. Umas exigem contenção e correção imediatas, enquanto outras são relevadas para tratativas posteriores, visto que este também é um processo que exige custos e deve ser priorizado.

Segundo Vasconcellos (2007), o histórico das falhas de campo de uma montadora é uma das suas mais importantes fontes de dados, visto que a partir dele torna-se possível a percepção de onde, quando e como devem ser feitas melhorias em seus projetos, processos, fornecedores e métodos de produção, até mesmo em sua gestão. Também possibilita a gestão de suas peças de reposição e até uma possível detecção de um recall.

A percepção do cliente sobre a qualidade de um veículo está em formação no primeiro ano (ou mais) de utilização. Muitas falhas ou defeitos não são identificados até que cheguem às mãos do consumidor final. Como se pode observar na figura abaixo, o ciclo desde a detecção até uma medida de correção definitiva pode levar um tempo até maior que 12 meses para se concretizar.

Observando a figura 1, vê-se a necessidade em detectar as falhas e reagir com a correção de forma hábil; ela mostra a real participação da garantia em gerenciar o ciclo de vida de seus produtos para obter o melhor resultado financeiro. Fazendo isso, garante-se que boa parte dos problemas apresentados não seja repassada a projetos futuros, diminuindo seus custos, satisfazendo melhor seus clientes e possibilitando uma redução de tempo em lançar novos produtos.

Somente após uma análise aprofundada das peças falhadas é que se pode chegar a métodos eficazes de contenção e correção tanto no processo de fabricação dos novos veículos, quanto no do problema em campo.

As formas de detecção adotadas pelas montadoras variam de acordo com sua estratégia. Porém quanto mais precoce for detectado e tratado um problema, menor será o impacto dele no parque de veículos já fabricados e rodando com a possibilidade desta falha, consequentemente menores serão os custos envolvidos neste incidente.

Cada veículo sai da linha de montagem com um código de identificação, uma espécie de registro de nascimento. É através deste código que, em caso de recall, a montadora consegue estipular quais são os veículos que devem fazer os reparos. Uma vez identificada a falha, a montadora a contém e deve, então, tratar os veículos que estão em campo. Ao identificar a falha, sabe qual o período em que a fabricação pode estar comprometida, sabendo quais os veículos que devem fazer parte do lote.

Para garantir a confiabilidade da marca, portanto, seu produto ou serviço ofertado deve atingir as expectativas dos seus clientes, suprindo suas necessidades e seus desejos, assim como reagir rapidamente às reclamações, honrando seu compromisso assumido na garantia, resolvendo suas insatisfações, até mesmo antes que elas sejam geradas.

Diante do aumento da competitividade do mercado automotivo brasileiro nas últimas décadas, as montadoras vêm buscando formas de melhorar a imagem da sua marca para abranger mais seu mercado consumidor, sem perder a lealdade de seus clientes antigos. O programa de garantia ofertado aos clientes é uma ótima ferramenta para auxiliar no cumprimento deste objetivo, assim do ponto de vista do marketing, a garantia pode oferecer a “sensação” de segurança que o cliente tem ao saber que a empresa que ele escolheu como fornecedora do seu veículo cumprirá, por lei, com os possíveis custos caso este venha a falhar. Já do ponto de vista da qualidade, a garantia pode criar um banco de dados de defeitos e falhas que podem proporcionar agilidade na contenção e correção dos problemas de campo, rápida resposta ao cliente e a melhoria contínua do processo de produção e do projeto, tendendo à diminuição dos custos futuros de retrabalho, antecipando falhas e defeitos. Com isso, novos projetos tendem a ser desenvolvidos cada vez com taxas de confiabilidade mais altas, resultando também em pontos positivos para a marca pela visão dos clientes. A garantia também incentiva uma aproximação da montadora com seus fornecedores, visto que exige deles a mesma qualidade e agilidade que seu cliente final, tornando toda a rede do setor mais ágil e competitiva, aumentando suas tecnologias para suprir a necessidade dos clientes finais. Diante destes fatos, Trivellato (2013) mostra claramente a tendência de aumento do prazo de garantia para um mercado futuro, visto que o mercado brasileiro atual já possui marcas rondando os cinco anos de garantia, assim como mostra o impacto para a redução dos custos em projetos futuros.

Portanto, é de suma importância que as montadoras definam uma estratégia segura e eficaz na definição das cláusulas e tempo da garantia ofertada aos seus clientes, pois, caso contrário, além de elevar os custos de um projeto com uma grande quantidade de falhas, e todo o ciclo de trabalho gerado por elas (principalmente custos dos serviços de pós-venda), terá como consequência a visão negativa dos clientes perante a marca, visto que suas necessidades não serão satisfeitas, nem no produto comprado, nem na garantia ofertada, podendo levar a marca à falência.

REFERÊNCIAS AAKER, David A. Brand Equity: gerenciando o valor da marca. São Paulo: Negócio Editora, 1998.

ALAVERDI, Al, FATHI, Nader. Warranty Management: The Next Frontier in Cost Reduction and Product Quality Improvement. 2006. Disponível em: <http://www. warrantyweek.com/archive/ww20061003. html> . Acesso em: 11 fev. 2016.

AMATO NETO, João, D’ANGELO, Flávio. Supply Chain and New Industrial Organization Forms: The Case of Brazilian Automobile Complex. First World Conference on Production and Operations Management POM, Sevilla, 2000.

BLISCHKE, Wallace R., MURTHY, D. N. Prabhakar. Product warranty management – I: A taxonomy for warranty policies. In: European Journal of Operational Research, v.62, iss:2, p. 127-148, 1992.

CARNEIRO, Alex. Avaliações de valor e preços sob condições de riscos. In: Revista Marketing Industrial, n.53, p. 30-36, 2011.

COSTA, Rodrigo Morem da, HENKIN, Hélio. Estratégias Competitivas e Desempenho da Indústria Automobilística no Brasil. In: ANPEC – Economia Industrial e da Tecnologia, Porto de Galinhas: [s.n.], 2013.

Disponível em < http://www.anpec.org.br/ encontro/2012/inscricao/files_I/i8-0efeffb9 1919f560fd57485db2d76124.pdf> Acesso em 10 fev. 2016

FERNANDES, Carolina Lourdes. Fortalecimento da comercialização de produtos automotivos com foco na qualidade percebida pelo cliente. Juiz de Fora: UFJF, 2012. 42p. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Engenharia de Produção) – Graduação em Engenharia de Produção, Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2012.

GONÇALVES, Helmer José. Fidelização de Clientes. Porto Alegre: UFRGS, 2007. 61p. Trabalho Graduação (Especialista em Gestão de Negócios Financeiros) – Programa de Pós-Graduação em Administração, Escola de administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

LARA, Rodrigo. Carros populares passam a ter garantia mais longa na linha 2014. In: Folha de São Paulo (online). 2014, Disponível em: <http://classificados.folha.uol.com. br/veiculos/2014/01/1402719-carrospopulares- passam-a-ter-garantia-maislonga- na-linha-2014.shtml> Acesso em: 15 fev. 2016.

MOREIRA, José Carlos Teixeira. Qualidade Percebida.In: Revista Marketing Industrial, n.53, p. 6 -12, 2011. TRIVELLATO, Francisco. Tendências de mercado & Gestão pós venda. Congresso e ExpoFenabrave, São Paulo: 23, 2013. Disponível em <http://www.fenabrave. org.br/sincodiv_sc/I%20CONGRESSO%20 P%C3%93S-VENDA%20Trivellato.pdf> Acesso em 8 fev. 2016 VASCONCELLOS, Rodrigo de Godoy. Extensão do período de garantia para veículos populares. São Paulo: 2007. 120p. Dissertação (Mestrado Profissionalizante) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.



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