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Setor de energia solar inova, mas ainda depende de tecnologia estrangeira

Projeto inédito no Brasil irá construir painéis solares flutuantes em reservatórios de duas usinas hidrelétricas, no Amazonas e na Bahia. Cada fazenda solar flutuante poderá atender cerca de 4.500 residências sem a emissão de nenhum poluente e reaproveitando uma estrutura ambiental já impactada. O Brasil é um país propício para a aplicação da tecnologia de painéis solares, empresas estrangeiras têm investido nesse mercado por aqui, entretanto os incentivos e a demanda ainda são insuficientes para que a tecnologia seja produzida dentro do País.

No segundo semestre de 2014, o País enfrentava a pior seca dos últimos 100 anos. A estiagem deixou os reservatórios de hidrelétricas com baixa capacidade, afetando o abastecimento de água e a geração de energia elétrica no País. Uma vez que 70% da matriz elétrica brasileira é composta por hidrelétricas, a seca resultou no acionamento de usinas termelétricas, campeãs no quesito poluição. Estudo realizado pela WWF-Brasil (Fundo Mundial para a Natureza) com o apoio da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) aponta que, em 2014, as usinas térmicas geraram 13,3 GW médios, equivalente a 21% de toda a carga do Sistema Nacional, que aumentou não somente as tarifas da energia elétrica, mas também cerca de 70 bilhões de toneladas de CO2. A extensão territorial e a localização do Brasil favorece o mercado de energia solar fotovoltaica. Ainda de acordo com o estudo, no final de 2013 havia, aproximadamente, 139 GW em sistemas fotovoltaicos instalados no mundo. A maior parcela vinha da Alemanha, que tem menos de 5% da superfície territorial do Brasil e índices de irradiação solar muito inferiores. Japão, Itália e China são os outros países que dividem a parcela da geração de energia fotovoltaica no mundo. “E os sistemas fotovoltaicos continuam em expansão nesses países – em 2014, estima-se que foram instalados mais de 40 GW ao redor do mundo, prova do forte crescimento de energia solar fotovoltaica”, diz o documento.

“A natureza mostrou que a água é um recurso finito e precisa ser administrada”, diretor da Sunlution, Orestes Gonçalves.

Nesse sentido, o Japão tem se destacado pela inovação no mercado de geração de energia solar fotovoltaica. No início desse ano, a fabricante de painéis solares Kyocera TCL Solar divulgou o início das obras para a instalação do que poderá ser a maior usina solar flutuante do mundo. O projeto consta com a implantação de 50.904 painéis flutuantes no topo do reservatório de Yamakura Dam, na província de Chiba, no Japão. Os painéis deverão gerar, aproximadamente, 16.170 megawatts/hora por ano, energia suficiente para abastecer cerca de 5.000 casas, enquanto compensa 8.170 toneladas de emissões de CO2 por ano – o equivalente a 19.000 barris de petróleo consumidos. O projeto deve ser concluído em 2018.

PAINÉIS SOLARES FLUTUANTES NO BRASIL
A exemplo de países como Austrália e Estados Unidos, em março desse ano, o Ministério de Minas e Energia (MME) inaugurou o primeiro projeto desse tipo no Brasil. O empreendimento terá capacidade de geração de cinco megawatts (MW) e será construído no reservatório da Eletronorte de Balbina, no município de Presidente Figueiredo, no Amazonas. Durante a execução do projeto, também serão avaliados os impactos ambientais e sua viabilidade econômica. No mesmo mês, o mesmo projeto foi lançado também na Usina Hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia.

De acordo com o MME, os projetos serão realizados com recursos destinados a ações de Pesquisa & Desenvolvimento, com previsão de investimentos de R$ 100 milhões (R$ 49,964 milhões da Eletronorte e R$ 49,942 milhões da Chesf), em ações previstas até janeiro de 2019, para gerar 10 MWp de energia elétrica.

As partes envolvidas no estudo e desenvolvimento do projeto foram definidas por chamada pública: Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da UFPE (FADE) e Fundação de Apoio Rio Solimões (UNISOL), além das empresas WEG e Sunlution.

O PROJETO
O cronograma de ações do projeto prevê que cada uma das usinas solares tenham potência instalada de até cinco MW, o que corresponde ao abastecimento de 9.500 famílias. Mas há expectativas de expansão, caso o projeto seja concluído como esperado. A ampliação das unidades, de acordo com a previsão do MME, permitiria a geração de até 300 MW. Isso superaria a atual capacidade de geração da hidrelétrica de Balbina e seria o suficiente para suprir 540 mil residências.

O presidente da Eletrobrás, José da Costa, ressalta que, se usado 1% da área do lago para gerar energia fotovoltaica, seria possível gerar dez vezes a capacidade da usina hidrelétrica de Balbina. Embora a área de cada usina corresponda a, aproximadamente, cinco campos de futebol, a área ocupada pela usina flutuante será proporcionalmente pequena.

Segundo Orestes Gonçalves, diretor da Sunlution – empresa que fornecerá os flutuadores solares –, os 50 mil m² da usina corresponde a 0,002% da área total do reservatório. “É uma área muito pequena em relação ao reservatório todo para atender 4.500 residências”, diz. O empresário estima que sejam utilizadas, em média, 4.000 painéis por megawatt, aproximadamente 20 mil painéis por usina. A previsão de conclusão da obra é maio de 2017.

“A ideia é aproveitar a infraestrutura existente nas instalações hidrelétricas para produzir energia com geração solar”, ressalta Gonçalves. “Como a estrutura está toda pronta, não há necessidade de se investir em transmissão ou em subestação, como acontece em muitos projetos eólicos, por exemplo”, diz.

Para participar do projeto, a Sunlution se uniu a Ciel et Terre International, fabricante francesa dos flutuadores solares, e criou a joint venture Ciel et Terre Brasil. A proposta, segundo Gonçalves, é participar dos leilões anunciados de geração solar. O joint venture permitirá a montagem dos flutuadores no Brasil, já os painéis solares serão importados da França.

“Nós dominamos uma tecnologia coadjuvante, a importância real da tecnologia [da captação de energia] solar nós não fabricamos”, professor e supervisor do Inep, Denizar Cruz Martins.

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VANTAGENS
“O que está sendo apresentado e colocado no Brasil é uma iniciativa muito importante e que, de certa forma, vem ao encontro com os nossos problemas de matriz energética, já que ficamos refém dos problemas hídricos. As termelétricas são problemas sérios: primeiro a poluição, com a taxa alta de CO2; segundo é o preço do petróleo, da mesma forma do carvão e do gás”, comenta o professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Supervisor do Instituto de Eletrônica de Potência (Inep), Denizar Cruz Martins.

O diretor da Sunlution lembra que estudos realizados em países que já aplicam a tecnologia mostram que o impacto ambiental é “praticamente negativo”, pois a área utilizada já foi impactada pela própria usina hidrelétrica. “A geração solar flutuante se utiliza de uma área que não é agricultável, é uma área que já está impactada para produzir energia. Além disso, já usa a estrutura de subestação e distribuição que já está sendo utilizada pela hidrelétrica”, pontua Orestes Gonçalves. A tecnologia também ajuda a evitar a evaporação da água das reservas.

O estudo da WWF-Brasil e da Absolar aponta outras características igualmente importantes a favor da fonte solar fotovoltaica: elevada capacidade de geração de empregos associados à cadeia produtiva; proximidade dos centros de demanda e complementaridade com outras fontes renováveis; redução do impacto ambiental ao longo da cadeia produtiva solar fotovoltaica.

Ainda de acordo o estudo, não há emissão de poluentes na geração de energia elétrica com sistemas fotovoltaicos e são baixos os volumes de emissão nas etapas industriais do setor. “Para módulos fotovoltaicos de silício cristalino basta uma operação por 1,5 a 3 anos do sistema fotovoltaico para recuperar toda a energia utilizada em sua fabricação. A geração de energia ao longo da vida dos sistemas fotovoltaicos é de 8 a 17 vezes maior do que a energia consumida em sua fabricação. No final do ciclo de vida de um sistema fotovoltaico, mais de 85% de seus componentes podem ser reciclados e reaproveitados, de forma que os impactos ambientais, já bastante reduzidos, tendem a se tornar ainda menores em longo prazo [segundo projeções da Abinee apontadas no estudo]”.

O maior desafio, entretanto, segundo Gonçalves, será operar duas usinas na mesma estrutura. “Como despachar essa carga, como a subestação vai receber essa energia, e como vai distribuir. [….] São questões que não poderão ser respondidas de forma teórica e sim de forma prática de acordo com as situações”, diz.

MERCADO
A realização do 6º Leilão de Energia de Reserva em 2014 (LER/2014), que resultou na contratação de aproximadamente 1.000 MW de energia solar fotovoltaica, foi o primeiro grande passo do governo para a produção da energia alternativa. Esse foi o primeiro leilão promovido pelo MME em que foi contratada energia proveniente de empreendimentos fotovoltaicos.

A WWF-Brasil e a Absolar, entretanto, acreditam que o mercado precisa de mais incentivos para conseguir alimentar a cadeia produtiva do setor, aumentar a competitividade e passar a produção da tecnologia também para o Brasil. Para garantir o desenvolvimento da cadeia produtiva nacional de equipamentos, o estudo aponta que seja necessário assegurar demanda suficiente nos leilões de energia solar fotovoltaica; a extensão do Regime Especial de Incentivo para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi); e a adequação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Industria de Semicondutores (Padis).

Martins explica que a montagem é feita no Brasil, mas não há estímulos para que a tecnologia seja desenvolvida também localmente. “Nós dominamos uma tecnologia coadjuvante, a importância real da tecnologia [da captação de energia] solar nós não fabricamos”, lamenta o professor e especialista.

O ponto positivo desse projeto, segundo Martins, é que a usina hidrelétrica está ao mesmo tempo usando a água para mover as turbinas e gerar energia, além da energia solar. “É uma iniciativa interessante que dever ser incentivada, mas eu incentivaria ainda mais a fabricação da peça principal. O meu sonho é ver o Brasil, que é um mercado natural de energia solar – fora a Austrália não há outro País que tenha essa oferta –, exportar painéis [solares]”, diz. Para ele, o desenvolvimento do setor virá com o estímulo da produção e do domínio da tecnologia de painéis solares, pois a matéria-prima, o silício, “nós temos em abundância”.

“As principais fábricas de painéis estão localizadas na China, quando houver uma demanda específica, o Brasil deve ter sua produção própria, é mais vantajoso ser produzido aqui”, fala Gonçalves.



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