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Planejamento para a Pequena Indústria

Medidas mínimas para que um pequeno empreendimento possa prosperar apesar da concorrência agressiva e do mundo globalizado.

É sabido que muitas empresas não passam do primeiro ano de vida, apesar de todo o conhecimento técnico acumulado pelos empreendedores que as fundaram. Não basta ter trabalhado muitos anos em uma determinada indústria, ter acumulado larga experiência sobre como produzir algum tipo de bem, seja este de consumo ou industrial, conhecer os potenciais compradores se em paralelo os três pilares básicos de qualquer empresa (Produção, Vendas e Finanças) não forem bem administrados. Além disso, é fundamental que haja algum plano diretor que oriente os investimentos, as decisões e as ações a serem desenvolvidas para que o empreendimento possa crescer de modo saudável.

A fim de explorar um pouco mais esse tema, Manufatura em Foco conversou com o Prof. Dr. Antonio Batocchio, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, que é especialista em administração estratégica e plano de negócios, entre outros temas ligados à engenharia de manufatura.

MF: O que poderia constituir um planejamento mínimo para que pequenas empresas estivessem aptas a superar os sobressaltos do mercado e também a concorrência indiscriminada com produtos importados e de qualidade duvidosa, porém superbaratos e cativantes aos consumidores mais incautos?

Batocchio: Toda empresa que enfrente tais desafios precisa, no mínimo, de um plano diretor de curto prazo. Partindo-se do pressuposto de que já tenha sido feito um levantamento para ver se há demanda para o que o empreendedor deseje produzir e/ou comercializar e que também tenha se identificado espaço suficiente para sustentar mais um fornecedor, é imprescindível que se analise quem são os concorrentes mais diretos, tanto em termos de empresas, quanto de produtos, procurando identificar quais são os seus pontos fortes e suas eventuais vulnerabilidades. Também é fundamental que se faça um acompanhamento rigoroso do fluxo de caixa, a fim de evitar que os gastos excedam o valor das vendas, mantendo um monitoramento constante da evolução desse balanço, vendas versus custos.

MF: Por onde uma pequena empresa poderia começar o seu planejamento estratégico?

Batocchio: Quando o empreendedor não tem um mínimo de conhecimento, se ele não tem formação na área, o ideal é que busque algum tipo de ajuda que o possa dar suporte na elaboração desse plano. Atualmente, o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), por exemplo, presta um excelente serviço nesse campo a custos absorvíveis pelo pequeno empreendedor. Um ponto de partida é saber aonde se quer chegar, qual o propósito da empresa, que retorno financeiro, que porcentagem de participação de mercado se espera obter, tendo em vista o quanto se tem para investir. Isso servirá de orientação para saber que tipo de informações e recursos necessitará, para traçar um plano que lhe ajude a desenvolver algum diferencial e lhe garanta alguma penetração no mercado visado.

MF: Que indicadores básicos devem monitorar a pequena empresa para garantir-se no mercado?

Batocchio: Em primeiro lugar, conforme já mencionado, o fluxo de caixa, para garantir que não se gaste mais dinheiro do que se esteja gerando. Frequentemente, os pequenos empreendedores misturam a vida pessoal com a vida da empresa. Gastos pessoais, ou familiares, devem ser tratados à parte da empresa. Não se deveria tirar dinheiro necessário ao crescimento da empresa, para comprar aquela caminhonete cabine dupla ou reformar a casa da praia. É fundamental que à medida que o empreendimento vá dando retorno, uma parte pré-definida e intocável desse montante seja reinvestida na consolidação da empresa; seja equipando melhor a fábrica, desenvolvendo novos produtos ou algum outro investimento que promova o crescimento das vendas e acrescente fôlego econômico à empresa. Toda empresa, principalmente no início de vida, deve manter uma reserva financeira que lhe garanta contornar algum imprevisto ou alterações repentinas de mercado quanto à demanda.

MF: No entender do senhor, quais são as principais vulnerabilidades da pequena empresa?

Batocchio: Uma das principais falhas é a falta de conhecimento da dinâmica do negócio em si. Quão volátil é o mercado em que se pretende atuar, quem são os principais concorrentes ativos e potenciais, em que tipo de negócio realmente se está? É preciso evitar o que Theodore Levit chamou de miopia de marketing, ou seja, quem fabrica freios não está no negócio de freios, mas no de segurança; quem fabrica carburadores não está no negócio de carburadores, mas no de injeção de combustíveis e assim por diante. De maneira resumida, uma das maiores vulnerabilidades consiste em não estar devidamente informado. Decisões acertadas não podem ser tomadas com informações equivocadas. O feeling (pressentimento), de um empreendedor inexperiente, costuma ser mais uma aposta do que uma certeza. Apostas, de saída, já partem com 50% de chances de dar errado e para tanto nenhum estudo ou conhecimento prévio é necessário.

MF: Se considerarmos as três áreas básicas de uma empresa: Produção, Finanças e Vendas; no entender do senhor, qual delas é a mais crítica?

Batocchio: Embora todas as três áreas sejam importantes, em minha opinião, a área mais crítica é a de vendas. Para que as demais áreas passem a atuar, antes algo deve ser vendido. Além disso, vendas incluem saber negociar, cuidar das atividades pós-vendas, fidelizar clientes para garantir a sustentabilidade do negócio em longo prazo. Vendas envolvem mais variáveis incontroláveis do que as demais áreas. Se algum desvio ocorre em finanças ou na produção, o empreendedor, de modo geral, depende de si mesmo para corrigir os possíveis desvios. Em vendas, não podemos controlar as ações da concorrência, limitar a vontade dos clientes, manipular as políticas econômicas ou governamentais que afetam as negociações, enfim, em vendas pode-se contornar ou adaptar-se a determinadas situações, porém não se tem controle total sobre tudo o que, potencialmente, pode afetar as receitas.

MF: Ao considerarmos um outro tripé: Mão de obra, Tecnologia e Instalações, qual delas pode interferir mais no êxito de uma empresa de manufatura?

Batocchio: Em minha opinião, a mão de obra, pois esta é a parte criativa, aquela que faz com que as outras duas áreas funcionem a contento ou deixem de funcionar. Se pensarmos, por exemplo, nas corridas de Fórmula 1, nas quais carros, praticamente idênticos, têm rendimentos bem diferentes para distintos pilotos, como no caso Schumacher versus Barrichello, pode-se evidenciar o quanto a mão de obra pode ser um fator de competitividade. Apesar disso, são muitos os empresários que ainda consideram o treinamento e a capacitação como custos e não como investimento. Outro modo de pensar o assunto é imaginar um operador medíocre operando uma máquina plena de recursos e, posteriormente, um operador pleno de recursos operando uma máquina medíocre. Ao observarmos o mercado, veremos muita empresa mal equipada levando os pedidos de uma empresa bem equipada que mantém operadores medíocres. Em geral, investe-se muito em máquinas e equipamentos, contudo o investimento em mão de obra costuma ser inversamente proporcional. Ainda sobre a mão de obra, um dos grandes desafios do empreendedor é encontrar, no mercado, gente educada, prestativa, que entenda a importância de um sorriso, de um tratamento gentil, que cative a clientela. Há muito despreparo da mão de obra para que se possa prestar um atendimento excelente aos clientes. São muitos os que apenas gastam as horas no trabalho sem nenhum comprometimento.

MF: Entre ter produtos próprios e produzir para terceiros, o que é mais vantajoso?

Batocchio: Para um empreendedor iniciante, o custo de pesquisar, desenvolver, patentear e lançar um produto é muito alto, mesmo que conte com algum incentivo do governo e faça parcerias com universidades e institutos de pesquisa. Possuindo instalações e mão de obra capacitada, pode-se começar a produzir peças de terceiros, dos mais diversos setores do mercado, a qualquer hora e imediatamente começar a fazer dinheiro. Contudo, à medida que a empresa vá se capitalizando e tenha condições de desenvolver um produto próprio, ela obterá maior segurança e autonomia em seus negócios. Prestadores de serviços há em toda parte, por isso existe muito mais concorrência, enquanto quem possui produtos próprios, patenteados e interessantes, assegura a permanência no mercado e costuma ser mais lucrativo.

A vida de empresa deve ser tratada em separado da vida pessoal para que não se confundam as prioridades de cada uma delas.

MF: Há pessoas que sem nenhuma base teórica, sem nenhum preparo adequado partem para o empreendedorismo. Às vezes, isso resulta em êxito, outras vezes não. Por outro lado, há pessoas que passam a vida estudando e se preparando, porém nunca iniciam empreendimento algum; passam a vida apenas sonhando e não tomam qualquer iniciativa. O que pode ser considerado pior?

Batocchio: Empreender, necessariamente, envolve algum tipo de risco. Toda pessoa que estuda muito pensando em um dia iniciar algum negócio, porém nunca o faz, é apenas uma sonhadora, não uma empreendedora. Muitas vezes, é melhor sofrer os aborrecimentos de uma certeza do que carregar uma dúvida para a eternidade. A teoria indica o caminho, contudo só a “mão na massa” converterá um sonho em realidade. Existem pessoas que têm boas ideias, porém não querem correr riscos, por esse motivo nunca se tornam empreendedoras.

MF: É indiscutível a importância de se ter algum tipo de Sistema de Informações Mercadológicas, que possa apoiar o processo de tomada de decisões do pequeno empreendedor. Atualmente, sabe-se que existem sistemas sofisticados de CRM (Customer Relation Management – Gerenciadores de Relacionamento com o Cliente) ofertados no mercado, contudo custa um valor que o pequeno empresário não pode pagar. Que alternativas tem o pequeno empresário para obter as informações que necessita para tomar suas decisões?

Batocchio: Parte das informações que o empresário necessita, ele encontrará internamente, fazendo acompanhamento do faturamento, da evolução das vendas, dos custos etc. Ocorre que ele também precisa acompanhar o ambiente externo à empresa, para verificar que fatores externos poderiam afetar o desempenho de seus negócios. Neste caso, a ação a ser tomada vai depender, em parte, do tipo de empresa, do ramo de atividade que irá atuar e também do perfil comportamental do empreendedor. Uma forma de se obter informações sobre tendências, ameaças externas e oportunidades é associar-se e acompanhar as atividades e os relatórios periódicos dos sindicatos de empresas que costumam prestar alguns serviços e trabalhar em prol dos interesses das empresas do segmento que representam, como o Sindipeças, a Abimaq etc. Outro meio é acompanhar sites especializados pela internet, fazer alguma assinatura de revistas de segmento ligadas ao ramo de atividade que o empreendedor pretende atuar. Visitar feiras de negócios, participar de simpósios e congressos servirão de apoio, assim como buscar na literatura mais recente livros que sirvam de referência e comparação às suas práticas administrativas. Muitas vezes, os próprios fornecedores, clientes e outros empresários com quem o empreendedor se relacione o ajudarão a se manter informado sobre práticas e tendências que talvez desconheça.

MF: Atualmente, é possível encontrar no mercado softwares específicos para a gestão da produção, da qualidade, dos custos, do inventário etc. Uma ferramenta destas, das mais baratas, pode custar R$ 50 mil e, aproximadamente, mais uns R$ 3 mil por mês para a manutenção. Esses valores são perfeitamente absorvíveis para uma empresa grande, contudo, para um pequeno empresário, isso pode ser impraticável. Nesse caso, que alternativas teria o pequeno empreendedor?

Batocchio: Uma saída poderia ser a contratação de um bom estagiário de engenharia que, por meio de um sistema de planilhas, em Excell, por exemplo, teria condições de gerar relatórios de acompanhamento da evolução dos resultados da fábrica em cada uma dessas áreas. Muitas ações corretivas podem ser tomadas com base em relatórios simples e caseiros. São muitos os que investem em softwares caros mais por modismos ou questão de imagem, porém “o arroz com feijão”, em muitos casos, pode ser suficiente, ainda que menos automatizado e mais lento.

MF: Que variáveis externas, com maior frequência, costumam surpreender o pequeno empresário?

Batocchio: Uma dessas variáveis são os fornecedores. Sendo pequeno, ele não tem poder de barganha e os preços dos insumos e das matérias-primas, por exemplo, podem variar muito com a volatilidade do mercado e o empreendedor pode não ter margem para contornar tais oscilações. Outro fator é que os grandes conglomerados podem monopolizar o controle de insumos e matéria-primas, comprando toda a produção e secando a fonte para quem vive de pequenas porções.

MF: Quanto à capacitação gerencial, que alternativas o senhor poderia sugerir ao pequeno empreendedor?

Batocchio: Além do SEBRAE, existem também outras entidades, como algumas ONGs que dão apoio à população de baixa renda, oferecendo suporte técnico a cozinheiras, costureiras, cabeleireiros, mecânicos de autos, assistentes técnicos de rádio e TV, para que eles sejam capazes de montar um plano de negócios, um controle de fluxo de caixa, ou seja, um planejamento mínimo de sobrevivência do negócio. Já nos cursos universitários, muitos procuram a pós-graduação, com vistas ao crescimento na carreira profissional, buscando informações que os auxiliem a serem mais empreendedores nas próprias empresas em que trabalham.

MF: O senhor acredita ser importante visitar feiras de negócios internacionais, visitar empresas fora do país, participar de encontros e congressos sobre assuntos correlatos ao que o pequeno empresário pretenda ou esteja empreendendo?

Batocchio: Sim, pois há sempre a possibilidade de identificar oportunidades, fazer benchmarking (busca de melhores práticas), verificar tendências que estejam vindo de fora, reunir-se com potenciais clientes, estabelecer parcerias, fazer acordos de transferência de tecnologia, encontrar novas respostas para antigos problemas etc.

MF: O senhor gostaria de acrescentar alguma consideração final sobre algum tema que não tenha sido abordado em nossas perguntas?

Batocchio: Tradicionalmente, nossas escolas e universidades não preparam os alunos para serem empreendedores. Em geral, o foco é voltado para formar profissionais que irão se colocar no mercado, trabalhando para alguma empresa. Na maioria das vezes, quem faz uma Unicamp, por exemplo, visa a conquistar um bom emprego e ser bem remunerado por alguma multinacional. Também há pessoas dos cursos de extensão e pós-graduação, que já estão trabalhando e pensam em melhorar as chances de progresso profissional e outros, ainda, que desejam fazer carreira na academia, atuando futuramente como professores e pesquisadores. O ideal seria que, em nosso país, o empreendedorismo já começasse a ser incentivado desde o segundo grau. Para quem deseja a independência financeira, o empreendedorismo é uma ótima alternativa, porém as pessoas precisam se preparar para isso e terem a coragem de correr riscos. Muitos empreendedores também pensam demais de dentro para fora, ou seja, se questionam bastante sobre o que poderiam ou gostariam de vender aos clientes, porém nem todos pensam de fora para dentro, questionando-se sobre o que os potenciais clientes gostariam que lhes fosse oferecido! O bom atendimento é fundamental para qualquer empresa.

MF: Se o senhor pudesse recomendar um livro para alguém que esteja pensando em se tornar um empreendedor, que livro recomendaria?

Batocchio: Um livro como “A Meta”, de Eliyahu Goldratt, poderia ser uma boa referência, contudo, no momento atual, eu prefiro “O Monge e o Executivo”, de James C. Hunter, pois muitos negócios não progridem por falta de bons líderes que saibam despertar a paixão das pessoas para o papel que precisam desempenhar dentro de uma organização.

MF: Como editores e em nome de nossos leitores, agradecemos o seu tempo e a boa vontade em nos receber para esta entrevista.

Batocchio: Não por isso!



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