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Da Alemanha ao Brasil: Siemens investe na digitalização e fomenta debate sobre a indústria 4.0 no Brasil

Depois das discussões sobre Internet das Coisas (IoT) e a conexão entre objetos e pessoas, a indústria alimenta agora o conceito da Indústria 4.0 ou Manufatura Avançada e sua aplicação no Brasil. Embora, à primeira vista, sugira uma mudança brutal nos meios de produção atual, especialistas explicam que a mudança é gradativa e pode ser parcial. A integração de sistemas digitais, mecânicos e de automação que formam a base dessa evolução estabelece novos paradigmas de produção, mas, sobretudo, resultam no aumento da produtividade e da competitividade. A produção flexível e eficiente de alto grau de qualidade garante à indústria atender a demanda de um consumidor cada vez mais exigente e exclusivo.

Nunca se falou tanto em Indústria 4.0 ou Manufatura Avançada como nesse ano no Brasil. Os eventos de negócios do setor manufatureiro intensificam os debates acerca do assunto para adaptar o conceito e o exemplo germânico à realidade industrial brasileira. Embora a Manufatura Avançada possa ser aplicada em qualquer setor industrial, pequena ou grande empresa, as discussões sobre a pauta rondam a indústria de máquinas e softwares.

O tema foi importado da Alemanha, polo tecnológico industrial no mundo, e com as filiais germânicas espalhadas no Brasil, não demorou muito para também se tornar pauta por aqui. Diversas ações estratégicas levam a Siemens ao centro dessas discussões. A gigante de software alemã se propõe a fomentar o assunto no Brasil da mesma forma que se propõe na Europa, com o know-how de quem possui uma das mais modernas fábricas do mundo.

A planta de eletrônicos da empresa, em Amberg, na Alemanha, produz mais de um mil tipos de produtos, especialmente os controladores de processo Simatic (Programmable Logic Controllers – PLCs). Aproximadamente, 15 milhões de Simatics são produzidos por ano no local, o equivalente a um controlador feito por segundo. O próprio Simatic controla a produção de forma automatizada com, pelo menos, 75% da cadeia produtiva sendo realizada por computadores ou máquinas.

A planta já recebeu vários prêmios e é reconhecida na Alemanha como caso de sucesso da Manufatura Avançada alemã. A fábrica tem a combinação ideal de dois elementos essenciais para o que alguns especialistas chamam de “quarta revolução industrial”: o real e o virtual. Ela é um exemplo avançado da aplicação da solução “Digital Enterprise”, desenvolvida pela própria companhia. Lá, os produtos controlam os seus próprios processos de fabricação com a representação digital de toda a cadeia de valores física.

Não à toa, a digitalização tem sido o carro-chefe da empresa. Desde 2007, a Siemens tem reforçado sua marca no mercado global adquirindo empresas estratégicas ao redor do mundo. Nos últimos três anos, por exemplo, já investiu mais de 3 bilhões de Euros em empresas de softwares focadas em digitalização.

Um estudo realizado pela consultoria Booz & Company para World Economic Forum’s Global de 2013 mostra que um aumento de 10% nos investimentos dos países em digitalização resulta em aumento de 0,75% de PIB e diminuição de 1% na taxa de desemprego. Segundo o vice-presidente da divisão Digital Factory da Siemens, Renato Buselli, a empresa passou por uma reavaliação estratégica que direcionou os negócios para as áreas de eletrificação, automação e digitalização, esse último, a que mais cresce. A digitalização também foi o foco da Siemens durante a Hannover Messe, que ocorreu no fim de abril desse ano. A empresa dedicou seus 3.500 m² ao tema “Ingenuity for Life – Driving the Digital Enterprise”.

Realizado junto com empresas parceiras, o espaço apresentou soluções, produtos e casos de sucesso das três áreas de negócios, com destaque para o setor de Energia para a Indústria, Manufatura Aditiva, Automotiva e Fibras. “Para apoiar nossos clientes no seu caminho para alcançar a Indústria 4.0, não importa o tamanho de sua empresa ou em que indústria atua, temos nos comprometido com o portfólio da Digital Enterprise”, falou o membro do Conselho de Gestão do Grupo, Klaus Helmrich, em conferência à imprensa na Hannover Messe, no último 25 de abril.

MANUFATURA AVANÇADA NO BRASIL
Falar de Manufatura Avançada na Alemanha não é novidade, afinal a pauta já faz parte da agenda estratégica do País. Embora o assunto já seja discutido por aqui há alguns anos, a onda da Indústria 4.0 tem tomado força com eventos dedicados à pauta. Assim como aconteceu na Alemanha, este também foi o foco da Siemens no Brasil durante as feiras de negócios.

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Renato Buselli falou sobre o posicionamento da empresa em relação à Indústria 4.0 durante o Seminário de Manufatura Avançada: A Indústria 4.0 no Brasil, realizado em maio deste ano pela Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) e a Associação de Engenheiros Brasil-Alemanha, durante a Feimec 2016, em São Paulo. Na ocasião, Buselli explicou os quatro pilares da Indústria 4.0 que afetam diretamente a produtividade.

“A primeira coisa é o nosso cliente, que está cada vez mais exigente. Ele vai participar cada vez mais no desenvolvimento do produto. Esse cliente quer inovação constante”, diz Buselli. Ele lembra que o “timing” para o lançamento de novos produtos terá que ser menor do que é realizado hoje. “Esse cliente vai cada vez mais se comunicar contigo através de dados, isso vai correr toda cadeia de valor. A princípio, são dados de publicação para retorno, depois esses mesmos dados se tornam ferramentas valiosíssimas para que você possa construir novos modelos de negócios”, explica à plateia.

O executivo conta que hoje o fabricante precisa ter flexibilidade para atender uma produção mais personalizada e usa de exemplo uma empresa de perfumes que possibilita fragrâncias únicas para seus clientes. “Como você vai planejar essa produção nos moldes atuais?”, indaga. A possibilidade de se produzir bens personalizados em uma mesma linha de produção é um exemplo claro disso. Em outra oportunidade, o executivo exemplificou o mesmo ponto com o exemplo da fábrica Fiat Chrysler Automobiles, que produz o Jeep Fiat, em Pernambuco.

“Mesmo nos muitos casos que se utilizam de softwares para fazer o trabalho, nem sempre eles estão integrados”, vice-presidente da divisão Digital Factory da Siemens, Renato Buselli.

“É um exemplo de ponta em Indústria 4.0, totalmente automatizada, em que, hoje, com o mercado em baixa, consegue produzir dois automóveis na mesma linha e está indo para o terceiro automóvel – mesma linha de exportação – com uma base de software muito forte”, fala. Buselli lembra que a fábrica da Volkswagen no Sul do Brasil também possui alto grau de automação e uma produção flexível para produzir três modelos de veículos diferenciados em uma linha. O fabricante precisa estar integrado a uma cadeia de valor em que quem dita as regras do timing de produção é o próprio consumidor, mas esse tempo de produção atrelado a flexibilidade não podem suprimir a qualidade do produto.

“A pergunta é: qual é a resposta que a Siemens tem para isso tudo? Nós temos dois mundos e o que é que falta? Falta integrar do ‘outro lado’, porque um produto não nasce da produção, alguém tem que desenhá-lo, simulá-lo, e tudo isso tem sido feito da maneira tradicional. Mesmo nos muitos casos que se utilizam de softwares para fazer o trabalho, nem sempre eles estão integrados”, lembra. Buselli afirma que é possível gerar um ganho de 30% a 40% de tempo somente de engenharia.

O BRASIL ESTÁ PREPARADO? “Todos estão preparados, mas o Brasil precisa fazer um exercício; olhando todo esse bolo de oportunidades, qual é a parte que vou me envolver porque tenho mais competência para ser – e terei – mais competitividade perante outros no mundo? A indústria digitalizada faz com que a ‘coisa’ seja muito mais concorrencial, então, não é o custo da mão de obra que vai ser a diferença. […] Mas o que vai ser diferencial será a capacidade de me diferenciar dentro das oportunidades. É isso que o Brasil tem que entender”, esclarece Buselli, durante coletiva de imprensa realizada na última edição da Hannover Messe.

O vice-presidente da divisão Digital Factory explica que a Indústria 4.0 não precisa ser aplicada em sua totalidade. Processos podem ser integrados de forma que auxiliem na produtividade do fabricante, independente do seu porte, embora acredite que muitas empresas brasileiras ainda não estejam preparadas para ter uma automação forte. A dificuldade estaria em garantir fluxo de caixa durante a implementação de projetos, especialmente em um período de recessão econômica.

Por essa razão, Buselli reforça que o Brasil ainda precisa enfrentar algumas barreiras para que a Manufatura Avançada faça realmente parte da agenda industrial brasileira. “Se olharmos pelo lado do governo, por exemplo, quem acompanhou as últimas feiras, quem acompanhou as discussões da Câmara Brasil-Alemanha, por exemplo, teve a chance de ir contra o governo e perceber que, dado a baixa produtividade brasileira, já vinha procurando meios de mudar o statu quo [da indústria brasileira] e foram atropelados, de certa forma, pelo tema da Indústria 4.0 que vinha acontecendo em outros países”, conta.

A necessidade da retomada da competitividade do mercado brasileiro impulsionou a procura por respostas para o aumento de produtividade local. “Nós, da Siemens, já estivemos algumas vezes junto ao governo brasileiro, seja com a nossa administração local, ou até mesmo com as visitas do nosso CEO mundial, recentemente, em que nós colocamos junto ao governo a oportunidade de estar facilitando o acesso do Brasil”, diz Buselli ao complementar também a oferta de conhecimento sobre o tema.

Entretanto, ele reforça que o País precisa ter “um PIB industrial razoável” para poder sustentar a Indústria 4.0. A indústria representa 30% do PIB alemão, enquanto, no Brasil, é de aproximadamente 11%. Buselli lembra, porém, que o governo brasileiro fez uma série de ações para promover a indústria nacional e entende que o País deslumbra a possibilidade de novos negócios com a aplicação da Manufatura Avançada. “Essa transformação não vai se dar pelas mãos das grandes empresa. Essas empresas estão levando tecnologia, estão levando produtos, softwares; agora, são empresas de pequeno e médio porte que, com conhecimento e tecnologia, vão integrar esses sistemas. Isso cria possibilidade de você ter no Brasil em um futuro próximo, como nos Estados Unidos, uma invasão de pequenas empresas que gera a maior porção de empregos no mundo”, prevê.

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Um dos destaques da Siemens na Hannover Messe, de maneira geral, foi a administração dos dados gerados por essa indústria integrada. Na opinião do executivo, o volume de dados gerados por ela permite transformar essas informações em conhecimento e, se tratadas de maneira adequada, podem ser a oportunidade da geração de novos modelos eficientes de negócios e a geração de novas empresas de pequeno e médio porte com tecnologia diferenciada e demandando mão de obra especializada.

ESPECIALISTA

A sala de conferência da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em São Paulo estava cheia de especialistas da academia e da indústria no último dia 4 de maio. Representantes da indústria manufatureira, de universidades e institutos de tecnologia estavam atentos a apresentação do professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e também diretor regional do Senai Santa Catarina, Jefferson de Oliveira Gomes, sobre Manufatura Avançada.

A apresentação abriu as discussões sobre o tema voltado para aqueles que vivem a realidade da indústria local e dos estudos acerca dela. Aquele era somente um do total de oito workshops que estão sendo realizados em diferentes capitais brasileiras sob o financiamento da Unesco, com o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). O objetivo é verificar com cerca de 700 pessoas – 60% empresas, 30% Institutos e Centros de Tecnologia e 10% representantes do governo – qual a posição da indústria nacional em relação à Indústria 4.0. O relatório final será entregue em setembro à Unesco. A Siemens foi uma das empresas convidadas a participar do workshop e se posicionar sobre a temática.

Para o especialista e coordenador do projeto chamado Indústria Avançada, é necessário entender a evolução da indústria ao longo da história e perceber que o processo já vem mudando naturalmente, inclusive, no nosso cotidiano. Nos últimos oito anos, com o acesso à banda larga e ao banco de dados foi possível integrar os sistemas produtivos. Em entrevista, Gomes conta que muitos profissionais chamam esse momento de a “quarta revolução industrial, porque era um pedaço que faltava” à indústria.

O barateamento de sensores, por exemplo, permite essa evolução. “Tecnologia, de longe, não é o diferencial. Porque hoje é barata e a cada 18 meses fica ainda mais barata. Um robô, a cada ano, é 10% mais em conta”, exemplifica. O professor explica que os problemas da indústria são complexos e não podem ser resolvidos com ações de um único ator. “Formar um excelente engenheiro, um excelente técnico em eletrônica, não garante que eu terei uma empresa top of the mind liderando o mercado, tendo excelentes eletroeletrônicos”, exemplifica. A convergência tecnológica, segundo Gomes, é o primeiro pilar para o avanço dessa indústria.

A evolução depende de uma combinação de fatores, um deles o desenvolvimento de recursos humanos. Segundo o especialista, é necessário mudar o método de ensino aplicado no Brasil e a cultura do empreendedorismo. Gomes argumenta que o profissional do futuro terá conhecimentos distintos, porém cognitivos e parte dessa evolução tecnológica exige uma mudança no mercado de trabalho. “Um bilhão de pessoas, hoje, estão em profissões que não existiam cinco anos antes”, fala. Para ele, o futuro já chegou faz tempo e a demanda por profissionais distintos é prova disso.

“A gente vai encontrar um ambiente cada vez mais próximo do serviço. A ordem natural das coisas é que, daqui a pouco, você não vai identificar mais quem é serviço e quem é indústria. Mas é natural, não é um switch on– switch off.”, diretor regional do Senai Santa Catarina, Jefferson de Oliveira Gomes.

“Estudiosos veem que nos próximos oito anos 65% das profissões que serão ofertadas são desconhecidas. Quando é que você iria imaginar que alguém trabalharia em monitoramento de criptografia de Whatsapp cinco anos atrás?”, questiona.

Além da convergência tecnológica e de recursos humanos, o especialista enfatiza o terceiro pilar da Indústria 4.0, a cadeia de suprimentos. “Entender quais são as cadeias de suprimentos em que a gente pode desenvolver um negócio é uma coisa fundamental para sabermos em qual indústria teremos grandes desenvolvimentos. Obviamente, se a indústria automotiva já é a indústria mais moderna que temos, significa que você formar bastante gente para trabalhar nessa indústria vai ser muito legal, mas tem que garantir uma política de modo que uns 30%, 40% do pessoal, depois de oito anos, também empreenda”, explica.

Ele entende que a evolução natural da indústria é formação de um ambiente cada vez mais próximo dos serviços, um reflexo da cadeia complexa de mudanças que a tecnologia tem inserido na sociedade. A gente vai encontrar um ambiente cada vez mais próximo do serviço. “A ordem natural das coisas é que, daqui a pouco, você não vai identificar mais quem é serviço e quem é indústria”, diz Gomes ao lembrar que esse processo é gradativo e natural.

Entretanto, sem infraestrutura a evolução da indústria não será viável. Ele questiona a qualidade da internet no Brasil e reforça que ela é essencial para uma produção integrada. “A gente não tem qualidade de energia, não tem qualidade de banda larga. Temos problemas seríssimos de logística”, lamenta. O custo e a baixa qualidade da energia no Brasil é outro fator que dificulta a evolução industrial do Brasil para Gomes.

Para trabalhar com tal complexidade é importante que iniciativa privada e governo trabalhem juntos. Para o especialista, a iniciativa do projeto que coordena é a chance de se criar uma agenda da Indústria 4.0 no Brasil, em que ações possam ser elaboradas e executadas para fomentar a competitividade da indústria local e colocar o País rumo à manufatura integrada e de alta produtividade e valor agregado.

*Jornalista viajou a convite da empresa.

ROTEIRO

Andar pelas ruas de Berlim faz você esquecer que está na matriz tecnológica do mundo. Os contrastes da Alemanha são percebíveis ao olhar mais generoso do visitante de primeira viagem. O país é reconhecido no mundo por sua indústria de alto valor agregado, a exemplo dos carros mais desejados no mundo. A tecnologia, entretanto, se esconde em meio à arquitetura histórica, essa rodeada de um verde estonteante nessa primavera.

As primeiras instalações da Siemens no País, um complexo industrial de tijolos à vista, que remontam o início do século XX, situada no lado oriental de Berlim, na localidade de Spandau, reforçam esse contraste entre o passado e o futuro. Uma breve parada na charmosa Nuremberg intensificou essa relação. A cidade, praticamente toda destruída na Segunda Guerra e refeita com tamanha exatidão à construção original, com igrejas e castelos monumentais, nada tinha a ver com a modernidade da fábrica de eletrônicos da Siemens, em Amberg, a 70 quilômetros dali e visitada no dia seguinte. Os 10.000 m² de produção são um exemplo da cultura tecnológica do País. Os uniformes em tons de azul de destacam em meio ao branco que exalta aos olhos de quem via a produção dos Simatic no mezanino. O silêncio e a movimentação discreta das máquinas garantiam a produção organizada. Poucos funcionários – em relação à dimensão do local e a quantidade de máquinas que faziam o trabalho pesado – rondavam os corredores devidamente sinalizados. O movimento maior é notável pelas esteiras rolantes que trazem e levam as placas para diferentes equipamentos. Uma dança sincronizada entre os trilhos espalhados pelo espaço, com raras intervenções do tutor homem.



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